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O género Homos

Mitocôndrias e Quasares

Para os paleoantropólogos, o desfiladeiro de Olduvai, na Tanzânia, constitui uma fonte inesgotável de informação que há várias décadas fez avançar a disciplina a passos de gigante. Neste lugar foram encontradas as pegadas mais contundentes, que permitem afirmar que é ali que se regista o aparecimento da nossa espécie.

Em 1960, Jonathan Leakey encontrou o fóssil de um hominídeo de 1,40 metros de estatura. Muitos antropólogos pensaram que se tratava de um tipo especial de australopiteco, mas o próprio Leakey designou-o Homo Habilis (homem hábil), a espécie mais antiga do género que abrange os humanos atuais.

Dois fatores levaram Leakey a definir estes fósseis como pertencentes ao género Homo: o cérebro era muito maior que o dos australopitecos (que oscila entre os 600 a 800 cm3) e encontravam-se junto destes fósseis os vestígios mais antigos de fabrico e emprego sistemático de ferramentas em pedra. O Homo Habilis parecia ser um animal que utilizava ferramentas como os humanos atuais, e esta era uma descoberta surpreendente na medida em que colocava a possibilidade de um hominídeo de há 2,3 milhões de anos assinalar o início da nossa história.

As ferramentas utilizadas pelo Homo Habilis mostram indícios de “lateralidade”, o que implica uma divisão entre o hemisfério direito e o esquerdo do cérebro, que poderia ser um requisito imprescindível para desenvolver a capacidade linguística. Os antropólogos atuais conservaram a terminologia de Leakey, dado ser inquestionável que o Homo Habilis possuía características distintivas em relação aos australopitecos, resultantes porventura de uma alteração ecológica causada pela chegada de climas frios e temperados há 2,5 milhões de anos. Todavia, hoje sabe-se que entre a capacidade intelectual e a forma de vida do Homo Habilis e a dos humanos dos dias de hoje existe um abismo maior do que Jonathan suponha naquela época.

Os Homos Habilis, de acordo com a análise dos seus dentes, comiam mais carne do que os australopitecos, e essa carne pode ter constituído aquelas proteínas adicionais que eram necessárias para suportar um cérebro maior. Além disso, comer carne pode ter contribuído para que a sua vida social fosse mais complexa, já que é possível que os machos dominantes, que guardavam para si uma porção maior da peça, a utilizassem como “moeda de troca”, para negociar favores sexuais, de poder ou materiais, a julgar pelas experiências realizadas com chimpanzés.

Pensa-se que os Homo Habilis não eram caçadores, mas sim necrófagos, ou seja, que se alimentavam dos restos deixados por outras espécies, como os grandes felinos e os abutres. Como nem sempre conseguiam encontrar restos de carne suficientes para saciar o apetite, por vezes quebravam os ossos para aceder a uma fonte de nutrientes a que nenhuma outra espécie poderia chegar, a medula óssea.

Ainda assim, seria prudente não exacerbar a importância da dieta do Homo Habilis porque a sua dentadura indica que continuavam a ser basicamente caçadores de ocasião e que se alimentavam à base de vegetais. Os estudos anatómicos sugerem, por sua vez, que o Homo Habilis não era totalmente bípede e que passava muito tempo no cimo das árvores.

A capacidade de adaptação do Homo Habilis foi o que tornou possível a sua sobrevivência num mundo em constante mudança, e essa é uma característica que se perpetuará em nós. Ser capaz de se adaptar a diferentes meios em vez de ficar preso a um único meio específico coloca esta espécie acima das regras que regem a vida e o destino dos restantes habitantes da Terra.

No entanto, e apesar do seu impressionante domínio das ferramentas, da sua maior capacidade cerebral, da complexificação da sua vida social e da dieta rica em proteínas e nutrientes, não seria o Homo Habilis que dominaria o planeta para sempre, porque no leste de África surgiria uma espécie capaz de fazer o mesmo que o Homo Habilis, mas melhor, e que o deixaria “fora de jogo”: o Homo Ergaster.

Por: António Costa

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