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O fracasso

Bilhete Postal

Tentou seis vezes. Lutava para que o asfalto lhe desse a volta à casa. Queria um nome de rua para o beco onde vivia. Queria água nas torneiras. Queria a luz de modo constante. Foram sete anos e seis lutas seguidas. O preço da casa, do terreno, dos tribunais, aproximava-se agora do seu limite máximo de endividamento. Seis anos de leis fizeram-no um doutor. Sete anos de espera não o converteram em monge ou sacerdote. Ele comprara um lugar para viver porque lhe tinham dado certezas, porque lhe tinham prometido facilidades. A verdade era complexa e mais agreste. Em sete anos conheceu filas de espera, longos meses por simples certidões e papeis, tribunais para definir estremas, juízes e vereadores a marcar as águas dos ribeiros e vinham fiscais e chegaram vizinhos ásperos, e empurrões e paciência a fugir pelo chão, e os dias de viver na casa mais longe. Saiu de casa irritado na manhã de 4 de Fevereiro de 2011. Vou à caça. Levava a faca de mato e uma caçadeira linda que herdou do pai. Entrou no carro e viu como os buracos lhe engoliam as rodas, e viu um homem que lhe desviava o cano da água, e abriu o correio onde estava uma ordem de despejo. Sete anos de pastor, seis tentativas judiciais, arruinado, ergue a arma e “caçou” o vizinho, depois com a demência do sangue a inebriar-lhe a alma dirigiu-se à autarquia e disparou, apunhalou, enquanto teve balas. Saiu para o carro e abriu uma caixa de munições e dirigiu-se a pé para o tribunal. Não viu o carro que chegava, não viu as armas que se lhe apontavam, não ouviu os gritos e não via porque ia cego com sete anos de história, seis frustrações como cataratas. Tombou num asfalto lindo como o que queria na sua estrada.

Por: Diogo Cabrita

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