Se dúvidas houvesse, chegou mesmo ao fim o arco da governação que subentendia exclusivamente PS, PSD e CDS. A morte deste anel de poder foi decretada em vários atos, o último dos quais a vontade enunciada pelo Bloco de Esquerda de, no próximo ano, se constituir como “força de governo”.
Esta demonstração de vontade surge na moção A, que a direção bloquista vai levar à próxima convenção do partido fundado por Francisco Louça, Fernando Rosas e Miguel Portas, onde pode ler-se que «em 2019, o Bloco quer ser força de governo, com uma nova relação de forças». Essa relação de forças estará intimamente ligada ao que for o resultado das legislativas do próximo ano, que poderá ditar uma maioria absoluta do PS, pender para um governo minoritário socialista a negociar acordos pontuais à esquerda e à direita, para a reedição da geringonça, mesmo que em moldes distintos, ou mesmo para um novo bloco central.
Mas o que fica desde já claro é que o partido liderado por Catarina Martins quer aprofundar o caminho iniciado, em 2015, pela coordenadora bloquista quando, num frente-a-frente com António Costa, impôs três condições para dialogar no período pós-eleições. Os outros atos que ditaram o fim do arco da governação foram a vontade expressa por Costa de acabar com a exclusão de PCP e BE no que à governação diz respeito e a garantia de Jerónimo de Sousa de que a direita só continuaria no governo se o PS assim quisesse.
Na moção, a direção bloquista valoriza «a convergência à esquerda com o PCP», que se constituiu como «uma componente importante dos avanços sociais neste período e no futuro». Contudo, o BE não quer ficar agrilhoado a disputas com comunistas sobre qual é mais partido de protesto e menos apegado ao poder porque «a persistência de acusações sectárias não impedirá o Bloco de se continuar a empenhar no sentido do desenvolvimento das possibilidades de convergência e da recusa do sectarismo entre as esquerdas».
Esta moção assinada primeiramente por Catarina Martins, Marisa Matias e Pedro Filipe Soares representa bem mais do que uma mera confirmação do fim do arco da governação. É o fim declarado de um partido que não quer ser somente força de protesto ou muleta de uma solução de governo que não integra. Ou seja, o Bloco não quer ser figura de corpo presente, quer ser figura. E fazer figura no governo.
O BE considera que só uma solução governativa de esquerda assegura ao povo a defesa do «salário, da pensão e do emprego» e só um governo com bloquistas permitirá fazer o que o PS rejeitou fazer, nomeadamente «relançar a saúde e escola públicas e a dignidade do trabalho, combater o rentismo e recuperar a propriedade de bens estratégicos na economia e no ambiente» e «abrir um processo de alteração dos tratados europeus para a redefinição da política económica e da dívida». Aí está parte do enunciado a levar a futuras negociações com o PS.
Por: David Santiago