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O fenómeno Joana Vasconcelos

Opinião – Ovo de Colombo

Por: Tânia Saraiva *

Ao refletir sobre o tema do texto inaugural da minha colaboração neste espaço, rapidamente me lembrei de abordar a “artista do momento”: Joana Vasconcelos. Ainda no domingo passado, ao anunciar a primeira edição da Distinção Mulheres Criadoras de Cultura, o governo comunicava a entrega do galardão, na categoria de artes plásticas, a Joana Vasconcelos, pela sua “obra de projeção global, e pela visibilidade que traz à condição da mulher”. Se bem que neste caso se trate de mais um reconhecimento social do que artístico, o facto é que a artista portuguesa – nascida na capital francesa em 1971 – soube ir consolidando uma carreira artística que lhe permite apresentar-se atualmente como a “artista portuguesa de maior prestígio da atualidade” (segundo publicidade radiofónica à sua presente exposição no Palácio Nacional da Ajuda em Lisboa).

Depois do sucesso da exposição apresentada no Palácio de Versalhes em Paris, no ano passado, e de assegurar a representação portuguesa na próxima Bienal de Veneza de 2013, a mostra atualmente patente no Palácio Nacional da Ajuda já recebeu mais de 20 mil visitantes nas duas primeiras semanas. Neste sentido, não me parece forçado utilizar a expressão “o fenómeno Joana Vasconcelos”. Mas, naturalmente, interrogar-se-á o leitor: o que faz de Joana Vasconcelos e da sua obra, algo de tão especial? Particularmente num país onde ainda há alunos do ensino superior que desconhecem o que é a Fundação de Serralves, e onde o Museu Nacional de Arte Contemporânea recebeu 48.300 visitantes em todo o ano de 2011.

Certamente a resposta passa pela conjugação de diversos fatores. Desde logo a própria obra. Afastada dos hermetismos e conceptualismos frequentemente inerentes à arte contemporânea, as peças falam por si próprias, sem complexidades e pretensões filosóficas ou intelectuais, mas numa linguagem visualmente apelativa; formal e tecnicamente inovadoras, em que a cor, a textura e a escala assumem papéis determinantes, sendo que a experiência estética se vê facilitada pelas referências diretas à sociedade contemporânea e ao mundo do quotidiano. Não obstante o ato criativo (e a aura que lhe está associada) e a qualidade do corpus artístico, qualquer entendido em noções básicas de marketing sabe que o produto é apenas uma das quatro variáveis, e que a comunicação detém uma função essencial. É aqui que a maestria de Joana Vasconcelos se revela em todo o seu esplendor, tendo a artista sabido dar, criteriosamente, ao longo da sua carreira, os passos certos nos momentos adequados.

Numa sociedade mediatizada, globalizada, virtualizada e onde se cultiva cada vez mais a cultura acessível desde o sofá, Joana Vasconcelos – sempre atenta e eficaz, com energia e estratégia certeira – não deixa nada ao acaso: a escolha e a visibilidade do local para a exposição – um monumento nacional –, aliás foi inicialmente ponderado o Palácio Nacional de Queluz; a inédita parceria entre a empresa Everything is New, organizadora de espetáculos, e o Estado; a promoção (apoio TSF, website exclusivo dedicado ao evento) e a ampla cobertura dos meios de comunicação social (a presença da alta sociedade na inauguração com certeza despertou outros interesses); o momento certo – após o sucesso de Versalhes (bem sabemos que somos mais recetivos ao que é nosso depois da consagração internacional); a conveniência – o local e os horários alargados (ao sábado encerra às 21h00), ao contrário da maioria das instituições culturais; e, final e primeiramente, a obra e a exposição em si (do catálogo cuidado, com versão em inglês e espanhol, à toilette da artista na inauguração, a complementar a sua obra plástica).

Em tempos de crise, num país dito deprimido e preocupado, e de primavera cinzenta, a cor e o humor de Joana Vasconcelos fazem tão bem à alma… e recordam a muitos que há mais para entretenimento das massas do que o fado e o futebol.

* Historiadora e crítica de arte. Docente na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

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Próxima semana: Sérgio Dias Branco

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