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O fazedor de cidades

Crónica Política

A fuga europeia do Dr. José Barroso produziu um vasto leque de consequências positivas que se estenderam a todo o país.

Deixou de haver responsáveis pela situação de calamidade pública provocada pela inércia na prevenção dos fogos florestais, foi-se a Dra. Ferreira Leite levando com ela as responsabilidades pelo aumento do exército de desempregados e pela crise económica, o Dr. Bagão Félix trocou de cadeira deixando para atrás as responsabilidades pelo buraco financeiro em que afundou a segurança social, enfim, a mudança de emprego do Dr. Barroso permitiu finalmente a construção de um país de irresponsabilidades, governado por gente que publicamente assume a sua irresponsabilidade no estado da nação e apressadamente enverga a túnica alva de um pretenso estado de graça, esquecendo (ou querendo que esqueçamos) que este governo não é senão a continuação do anterior, que é seu herdeiro, não podendo alijar a carga de comprometimento com os dois anos passados.

Também o distrito da Guarda não pode deixar de beneficiar com a saída extemporânea do ex-primeiro-ministro para o seu exílio dourado de benesses e honrarias europeias. Com a alteração dos titulares governamentais deixou de haver espaço para o deputado Vasco Valdez nos descentralizados gabinetes das secretarias de estado e, assim, teve de regressar ao seu lugar no parlamento, para onde os desígnios do PSD o tinham feito eleger em representação da Guarda.

À primeira vista, este regresso parece ter provocado uma perda irreparável para o distrito. Com efeito, por via desta reocupação do lugar, teve de regressar às berças um dos mais ilustres representantes parlamentares que as terras guardenses já conheceram – o deputado Fernando Pinto Lopes.

O ilustre tribuno, segundo se pode ler do “site” do PSD, levava já, quando assumiu as altas funções de deputado pátrio, um vasto e relevante curriculum de serviço público do qual releva a sua acção enquanto presidente da associação de estudantes da Escola EB2+3 da Mêda e sua visão estratégico-financeira no desempenho do proeminente cargo de tesoureiro do Sporting Club da Mêda.

Infelizmente, as vicissitudes da vida parlamentar e, por certo, as intrigas que sempre circulam nos passos-perdidos, não tolerando a justa emersão de promissores talentos políticos, particularmente quando estes são oriundos das remotas terras do interior, não permitiram que o nosso ilustre representante conhecesse as luzes da tribuna parlamentar senão uma vez. Mas bastou esse único e irrepetível momento para que o país se pudesse aperceber da alta capacidade política do mandatário que a Guarda mandou a Lisboa a que dignamente representasse os seus interesses. Foi esse singular momento em que o deputado subiu os degraus da tribuna para pronunciar o seu discurso, que ficará por certo nos anais parlamentares e que o guindou à categoria dos ilustres, sobre “Prioridade Máxima à Instalação de um Sistema Costeiro de Vigilância Marítima” (recomenda-se vivamente a sua leitura no “site” do PSD).

Era este um problema que há muito afligia as gentes da Guarda, e particularmente as da Mêda, terra natal do tribuno, terras de gente solidária que fraternalmente sofria as dores provocadas por tantos acidentes marítimos, facilmente evitáveis com um sistema costeiro de vigilância.

A este propósito, refira-se que todo o país estranhou que a pasta dos assuntos do mar não lhe tivesse sido entregue e, num passe de mágica, fosse atribuída a quem manifestamente não a esperava nem a merecia. Estranheza que só os ínvios caminhos da intriga política saberão desvendar.

Não mais o ouvimos. Mas, quando serenamente, com a calma que concede a satisfação do dever cumprido, arrumava os seus papéis e o Dr. Vasco Valdez apressado batia à porta do seu gabinete parlamentar, eis que uma ideia, que será sem dúvida a sua coroa de glória, o atravessou com a iluminação dos génios.

Depois de tanto ter feito, a sua humildade fazia-o sentir-se ainda em dívida com a sua terra. Tudo não era o bastante para a Mêda. A Mêda merecia ser cidade. Os seus conterrâneos, que com ele brincaram na meninice, teriam de ter a satisfação de, quando com vaidade referissem as brincadeiras conjuntas com o ilustre deputado, dizer que haviam traquinado na cidade da Mêda. Daqui nasceu, directamente desse momento de despedida proporcionado pela saída do Dr. Barroso, a mais elevada e sensata proposta legislativa que alguma vez um deputado pela Guarda produziu – a elevação da Mêda a cidade.

É de gente desta fibra que a Guarda precisa. Fazemos votos para um breve regresso ao parlamento, Poço do Canto merece uma estação de TGV.

Por: Rita Cunha Mendes

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