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O factor terrorismo

Muito se tem falado das consequências dos atentados de Madrid nos resultados eleitorais em Espanha. Porém, o 11 de Março de Madrid, dois anos e meio depois do 11 de Setembro de Nova Iorque convoca-nos, uma vez mais, para uma reflexão sobre o terrorismo.

É, desde logo, indispensável reter que a «globalização do terrorismo» é um factor novo que afecta e põe directamente em causa a confiança. A confiança é algo cuja importância verdadeiramente só se sente quando falta: é, neste sentido, um bem público em que assenta não só a vida económica como constitui a trave-mestra de toda a vida em sociedade. É por isso que precisa de ser qualificada, com rigor e profundidade, a nova situação internacional global, decorrente do «duplo 11—S,M».

Em primeiro lugar, a natureza dos actos terroristas: com este tipo de atentados, o terrorismo deixou de ser um fenómeno localizado, com causas precisas, objectivos definidos e duração consignada, pelos seus autores e protagonistas, à obtenção de objectivos políticos localizados. O que é novo no terrorismo fundamentalista da Al-Qaeda e das suas «participadas», é o completo tripudiar sobre o sentido da vida; é a banalização e a massificação da morte, determinada não por causas naturais mas por escolha de bandos que invocam em vão o nome do Islão; é um ataque aos fundamentos das sociedades que fazem da liberdade; do bem-estar social e da segurança; da tolerância e da convivência plural de credos e ideologias o fundamento da sua existência.

Sendo esta a natureza do «terrorismo global»,é essencial compreender-se e, mais do que isso, assumir-se que as tradicionais bases da confiança e da segurança das nossas sociedades estão fragilizadas. Daqui decorre a prioridade que tem de ser atribuída, nesta nova situação, a uma estratégia global de resposta.

Portugal não pode nem deve abster-se ou alhear-se deste novo multilaterismo para a segurança e a confiança que é urgente ser construído. Está em jogo a vida e a segurança dos portugueses e de todos quantos visitam o nosso território, nomeadamente nos fluxos turísticos. Investir e reforçar as políticas e os instrumentos de segurança; melhorar a eficácia, a eficiência e a qualidade dos serviços de informação e a sua coordenação com a comunidade internacional e europeia dos serviços congéneres; participar activamente, na União Europeia e no quadro da aliança transatlântica, nas novas soluções políticas para enfrentar o terrorismo são alguns dos objectivos imediatos que têm de ser concretizados.

É, por isso, essencial não alimentar a ilusão oportunista que o problema desaparecerá a curto prazo; que poderemos«safar-nos» por entre os «pingos da chuva» ou que a sua solução estará essencialmente ligada aos resultados eleitorais de qualquer país ocidental, por mais erradas que tenham sido as opções concretas feitas por alguns dos nossos aliados e pelo nosso próprio Governo, nos últimos dois anos, quanto ao enquadramento da intervenção militar no Iraque. O principal erro, na minha opinião, resultou da tentação e da pulsão unilateralista da actual administração norte-americana que a levou a prescindir quer das regras do direito internacional e das suas instituições políticas quer de uma ampla coligação de países e Estados que, já com a administração Bush, tinha sido construída na sequência do 11 de Setembro. Embora de outra natureza, a mesma pulsão unilateralista que leva a actual administração a práticas proteccionistas na indústria siderúrgica ou à «exportação multilateral» das consequências de uma política económica auto-centrada nos EUA, mas geradora de insustentáveis desequilíbrios internos e externos com consequências nefastas na economia global.

O que tem isto a ver com o clima económico para 2004? Tudo, é a resposta. Para o mostrar bastam dois exemplos: a retoma em Portugal, de que tanto se fala e que tanto se deseja depende, criticamente, da evolução da economia espanhola e do ano turístico. Duas «variáveis» que poderão ressentir-se do novo abalo na confiança determinado pelos atentados de Madrid.

Por: Joaquim Pina Moura

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