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O espírito Belmiro

Agora que Belmiro anunciou o seu sucessor, acho que posso confessar que sempre gostei dele. Mal o conheço – entrevistei-o uma vez, há cerca de oito anos -, e raramente o vi. Não tenho qualquer interesse pessoal nos seus negócios, mas gosto que ele seja bem sucedido.

Esta preferência, se é que é explicável, fica a dever-se ao facto de Belmiro ser um dos empresários que menos contam com o Estado e menos dele dependem.

Reconheço que há muitos outros que se esforçaram, trabalharam e criaram muitos empregos, mas poucos têm a sua frontalidade e a sua forma de afirmar uma autonomia pessoal e empresarial que, infelizmente, é rara entre nós.

Ao contrário de alguns heróis de última hora, mais ou menos especuladores da bolsa e negociantes de influências várias – sempre de bem com os governantes sucessivos, independentemente de quem está no poder -, Belmiro deu-se mal com todos os governos.

Esta autonomia do patrão da Sonae que agora se retira contribui – e muito – para melhorar o país.

O Estado e os governos precisam de ter pela frente quem lhes diga na cara que não precisa deles; os ministros, os políticos, os deputados precisam de quem os possa mandar dar uma volta sem se acobardar.

Entre os muitos que clamam pelo primado da política sobre a economia, é claro que a maioria nem disfarça que utiliza o chavão (que em si mesmo é válido) apenas para fazer sentir aos empreendedores que, sem eles políticos, sem as benesses do poder, sem os encostos do Governo, sem o bom comportamento reverencial não há negócios que resistam.

Belmiro, pelo contrário, é muitas vezes mal-criado, insolente, arrogante. Mas prefiro mil vezes um arrogante com independência de espírito e de meios a um humilde sinuoso, subserviente, sem opinião, como são tantos dos nossos chamados grandes empresários.

Felizmente, o espírito Belmiro, que há vinte e muitos anos era uma rara lufada de ar fresco, tem vindo a desenvolver-se e a espalhar-se, sobretudo na geração mais nova, não sendo hoje tão excepcional como era.

Mas Belmiro foi um precursor.

Por: Henrique Monteiro *

*Rede Expresso

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