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«O esforço que a associação vai fazer este ano com a feira não é repetível»

António Oliveira, presidente da direção da AENEBEIRA

P – Quais as expectativas para mais uma edição da secular Feira de São Bartolomeu?

R – Vivemos tempos difíceis do ponto de vista económico, como é do conhecimento de todos. De qualquer forma, temos os espaços todos ocupados. O preço dos espaços de exposição muitas vezes é definido para regular o equilíbrio entre a oferta e a procura. Tínhamos um preço estabelecido para os espaços de exposição no Pavilhão Multiusos e na Feira de Atividades Económicas desde 2003 e que variava entre os 350 e os 500 euros, conforme a localização. Definimo-lo porque tínhamos tanta procura que o preço foi decidido para equilibrar a oferta que tínhamos para a procura que existia. O ano passado não fizemos nenhum ajustamento e tivemos alguma dificuldade em vender os espaços todos, pelo que foi necessário fazer alguma engenharia e ginástica para resolvermos o problema sem mexer no preço porque tínhamos partido para a oferta dessa maneira. Este ano fizemos uma baixa significativa de preços. O stand mais barato que no ano passado custava 350 euros passou para 200 e temos tudo vendido há muito e há pessoas em lista de espera caso haja alguma desistência.

P – Graças a esse ajustamento conseguiram então um certo sucesso na procura?

R – Sim. No ano passado tivemos alguma dificuldade, a própria Associação teve que montar dois stands, este ano não temos de fazer nada disso e temos gente a aguardar que haja desistências porque baixámos significativamente os preços. Tivemos de os ajustar na Feira de Atividades Económicas. No resto dos setores, como no automóvel, maquinaria agrícola, artesanato, diversões, temos a mesma procura e está tudo ocupado. A única área com menos participação são as tasquinhas, é menos uma que no ano passado porque as tasquinhas queixam-se um bocado da concorrência dos pontos de venda de cerveja da marca que ganha o concurso e que tem três pontos para distribuir por associações sem fins lucrativos e isso faz uma concorrência que é um bocado desleal porque não pagam impostos. Vamos ter que rever isso no futuro.

P – Em termos de visitantes, tem algum número estimado que gostaria de atingir?

R – As expetativas serão semelhantes às do ano passado, embora tenha a noção clara de que no ano passado tínhamos aqui nomes que este ano não temos, como o Pedro Abrunhosa ou a Rita Guerra. Mas sabemos que o aspeto lúdico da feira, com a gastronomia, as tasquinhas e as diversões, traz sempre muita gente. A ideia é chegarmos às 120, 130 mil pessoas. Todas as feiras equivalentes por aí fora subiram os preços e nós mantivemos os 2,50 euros. Já tivemos a três e temos os restantes a 1,50 euros. É uma feira para combater a crise. A Expofacic fez ao contrário. Subiu o bilhete mínimo de 2,50 para 3,50 euros. Penso que São Mateus também subiu. Nós fizemos ao contrário, mas isso tem outro custo, pois teremos um cartaz menos rico, naturalmente para animar a Feira mas que não pode ter nomes de primeira linha, mais a mais quando os dinheiros municipais não podem dar o seu contributo.

P – Qual é o investimento global da Feira?

R – A responsabilidade da AENEBEIRA na Feira deste ano é significativamente superior

à dos anos anteriores. Temos um orçamento para espetáculos, basta ver o cartaz, mais reduzido, mas suportado única e exclusivamente pela associação. A Câmara de Trancoso, em consequência da lei dos compromissos, não pôde nem fazer contratação de artistas, nem financiar as estruturas para os espetáculos, palcos, som, luz, etc. Há a promessa da autarquia de, ultrapassada esta situação e se vierem verbas da operação financeira de apoio do Estado aos municípios que permita resolver todo o seu passivo de curto prazo, de nos atribuir uma verba para suportar aquilo que me parece que é, no mínimo, a sua obrigação, que são as estruturas. Estamos a falar de um montante que anda em 25 mil euros sem IVA. Todo o cartaz de espetáculos tem um orçamento de 42.500 euros, mais IVA, que é suportado integralmente pela AENEBEIRA. Vamos fazer um esforço muito grande. Não contando com o apoio da Câmara, o orçamento da Feira soma, em termos de despesa, cerca de 179 mil euros e a receita esperada é de cerca de 166 mil. Ou seja, partimos já para um défice de 13 mil euros que se, porventura, a Câmara Municipal nos atribuir os 25 mil euros mais IVA poderá compensar esta diferença. Outra novidade de última hora, que penso que valoriza fortemente a Feira, é que temos a garantia de que o programa “Somos Portugal” da TVI vai estar em direto de Trancoso das 14 às 20 horas no dia 15. Será um programa que promoverá a Feira e que traz um elenco de artistas muito superior ao que está no cartaz. Que tenha conhecimento, estará o Emanuel, Ágata, Irmãos Verdades, Perfume e também haverá reportagens a promover Trancoso e a Feira e é com muito gosto que vamos ter esse programa aqui ao longo de quase seis horas de emissão.

P – Implica mais uma dificuldade em termos orçamentais?

R – Tem também para nós algum aumento de custos que já estão contabilizados e implica uma dificuldade acrescida, porque tenho 350 a 400 refeições para suportar e 94 dormidas, o que deve somar cerca de 7.500 euros. Para esse dia estava previsto um bilhete de entrada de 1,50 euro e mantemos esse valor, mas em vez da bilheteira abrir às 19 horas, vai abrir às 14. Estive em Cantanhede recentemente e a Expofacic abre sempre as suas bilheteiras às 19 horas e como lá tinha este programa abriu às 12 horas. Nós vamos abrir às 14 e pensamos que, com a bilheteira que vamos fazer durante a tarde, não será difícil conseguir reunir 5 mil pessoas para assistir ao programa da TVI e pagar os custos que o programa terá para nós.

P – São esperados visitantes não só da região, como de fora dela, mas também os muitos emigrantes que por esta altura estão cá de férias?

R – Considero a região que sempre veio a esta feira como grande parte dos concelhos do distrito da Guarda, principalmente aqueles que se situam a norte do Mondego, embora de Celorico da Beira e da Guarda venha muita gente. Também temos sempre muitas pessoas do nordeste transmontano, de concelhos como Moncorvo, Freixo de Espada à Cinta, Vila Flor, Carrazeda de Ansiães, Alfândega da Fé, tal como do distrito de Viseu como Penedono, Sernancelhe, São João da Pesqueira, Armamar, Tabuaço, Moimenta da Beira e Vila Nova de Paiva. É esta a zona de influência dos nossos mercados semanais e também da Feira, do Mondego ao Douro.

P – Qual a importância dos emigrantes?

R – Os emigrantes são um público importante. A calendarização da feira e a data escolhida este ano teve em linha de conta o público emigrante. Temos aqui um problema que às vezes muitos trancosenses não percebem. A Feira tem que contar com os emigrantes e é feita para eles. Cientes disso, temos aqui um obstáculo. É que o mundo das diversões, das pistas e dos carrosséis no ano passado tentámos reduzir o número de dias da Feira e recebemos um rotundo não e um levantamento da respetiva associação nacional que disse que nesse caso ninguém vinha para Trancoso e voltaríamos a 1991, quando já nem um carrossel havia na Feira. Eles só veem para o interior se lhes assegurarem dois fins-de-semana porque senão vão para o litoral e para as praias. O modelo da feira foi consolidado ao longo dos últimos anos a começar a uma sexta-feira e a acabar a um domingo, fazendo os dois fins-de-semana e o calendário prega-nos surpresas. Este ano, ou começávamos a 10 ou a 17. Se a começássemos a 17 iríamos terminá-la a 26 e nessa altura não há cá emigrante nenhum. Sabemos que a emigração que tem origem na Suíça e Luxemburgo parte por volta dos dias 18 e 20 e a que está radicada em França nos dias 22, 23 ou 24. Portanto, tínhamos de antecipar a Feira. Não podíamos meter a feira de 17 a 26, seria um erro. O esforço que a Associação vai fazer este ano com a Feira não é repetível. Vamos ter aqui um défice, que poderá ser atenuado se vier algum dinheiro da Câmara, mas se em 2013 a situação for a mesma não teremos condições para fazer este evento nestas condições. Não temos possibilidades porque isso poria em causa a nossa própria estrutura e sobrevivência. Este ano vamos ao limite e não é repetível em situações futuras. É um esforço que a Associação faz, sabendo da importância da Feira para a animação de todo o comércio, restauração e hotelaria de Trancoso. Fá-lo consciente disso, mas sabendo que não pode repetir este esforço que vai realizar em 2012.

P – Até que ponto é que ainda é importante para a vida económica de Trancoso e da região a presença dos emigrantes?

R – Nesta altura aumenta todo o movimento comercial em todas as localidades e sedes de concelho do interior e essa procura verifica-se em todo o comércio. No alimentar, no não-alimentar, em todo o lado, e a Feira é um momento decisivo que capta muita gente para Trancoso, tal como Viseu tem essa noção com a Feira de São Mateus que tem uma área de influência muito superior porque não somos nada em termos de dimensão e de capacidade de atração ao pé de Viseu. A presença dos emigrantes é muito importante. A região continua claramente à espera que o mês de agosto chegue. A dependência é mais notória à medida que há recessão no mercado interno. Está tudo à espera disto, é importantíssimo. Posso dizer que, para mim, o mês de agosto equivale a mais de 30 por cento da minha faturação anual e isso ocorre em muitas áreas. Estou a falar da área de ourivesaria, mas seguramente que isto se repercute noutras áreas de atividade como a restauração. Ao longo dos dias da Feira, não há restaurante que não esteja completamente lotado ao almoço e ao jantar e em Trancoso isso não é repetível noutros períodos. Penso que em todo o comércio alimentar também é notório esse aumento, seja no talho, peixaria, minimercado ou supermercado.

P – Disse que o esforço financeiro da Associação deste ano não se poderá repetir. O que é que isso poderá significar em termos de futuro?

R – Há uma coisa em que tenho uma dificuldade tremenda. Não sei que Portugal vamos ter em agosto de 2013. Certo é que não poderemos fazer este esforço. Que Feira vamos ter? Ainda é muito cedo para o poder dizer.

P – Quais as receitas previstas em termos de cobrança de bilhetes?

R – As receitas previstas em cobrança de bilhetes são de 43 a 45 mil euros. Este ano vamos ter quatro dias com bilhetes a 2,50 euros que são as sextas e os sábados, com os espetáculos de Diapasão, Hands on Approach, Amor Electro e Romana. Temos a segunda, dia 13, com entradas livres, tal como o último dia que é dedicado à música popular e ao folclore. Os outros quatro dias terão entradas a 1,50 euros.

P – Quais as noites em que são esperadas mais pessoas?

R – Penso que as noites com Diapasão, que mexe muito com a comunidade emigrante, com Hands on Approach e Amor Electro serão as noites com maior adesão.

P – Apesar da baixa de preços, a elevada procura que os agentes económicos tiveram não o deixa otimista em relação a alguma recuperação?

R – Deixa, mas fico preocupado com o défice que não podemos suportar. Penso que as situações de crise levam muitas vezes as pessoas a fazer um esforço adicional e acho que é isso que está a acontecer este ano. É como nós, baixámos e ajustámos os preços. Acho que há aqui um esforço adicional de muita empresa de pretender ter mais visibilidade e daí a procura que tivemos. Penso que muitas vezes é o próprio desespero da recessão que leva muita empresa a necessitar de se mostrar.

P – Esta Feira leva séculos. Como é que se explica que, depois de nos anos 80 a Feira ter estado um bocado moribunda, esta revitalização que faz com que o evento seja um dos eventos mais importantes desta região?

R – A grande explicação é porque houve um esforço de revitalização da Feira no final dos anos 50, princípios dos anos 60. O presidente da Câmara que presidiu ao município nessa altura, ainda hoje vivo com quase 100 anos, o engenheiro Pedro Viterbo, fez uma reestruturação da feira. Comprou stands para bazares, havia uma grande tenda alimentar com todas as condições e muitos stands na modalidade que era a Feira de São Mateus na altura. Essas estruturas foram envelhecendo, até que em finais dos anos 60 deixaram de estar operacionais. Depois, o município não fez nada durante 20 anos. As feiras anuais tinham historicamente uma função muito diferente da atual, onde as pessoas vinham às vezes de 80 ou 100 quilómetros para vender o seu gado. Chegavam a vir a pé com os animais do planalto de Mogadouro até Trancoso e depois esses aldeões e essas comunidades rurais compravam os produtos que necessitavam para o inverno. O mundo mudou muito, a revolução dos transportes tornou quase desnecessários os mercados semanais, quanto mais as feiras anuais. A Feira de São Mateus iniciou muito cedo, logo nos anos 70, um processo de reestruturação para a mostra, para a diversão e para algum aspeto lúdico. Era o que se deveria ter feito aqui. Isso nunca foi feito nem em 70, nem em 80. Começou-se a fazer nos anos 90 quando estabelecemos uma parceria, por ideia nossa, para reestruturar a Feira. Ao principio, começámos só com um pequeno salão de uma mostra de atividades económicas. Não tivemos a coragem de lhe chamar Feira de São Bartolomeu. A feira estava reduzida ao mercado semanal, só que era um mercado na sexta-feira que se aproximava do dia 20, 22 e mais a quinta-feira e o sábado. Era um mercado semanal que em vez de demorar um dia, demorava três e era isto que era a Feira de São Bartolomeu. Tinha de ser reconvertida. Ninguém hoje utiliza as feiras para vender o gado e comprar vestuário para o inverno. Isto hoje tem um aspeto de mostra de atividades económicas, de diversões e de espetáculos.

P- Para além da novidade do programa da TVI, há outras?

R – Ao longo de toda a tarde, serão transmitidas várias reportagens sobre Trancoso, empresas da região, o nosso património, promoção turística e gastronómica. Fora isso, este não é tempo para inventar e as novidades terão a ver com os próprios expositores que mudam ciclicamente. Há aqui coisas interessantes. Pelo tipo de expositores, percebemos quais são os setores mais atingidos pela crise. Há uma redução clara dos expositores que vendem materiais de construção e no sector imobiliário. Nota-se claramente quais são os setores que estão mais em crise e aí há uma baixa de expositores económicos, contrabalançada por outro tipo expositores, mas que reflete, de certo modo, o mercado.

P – Apesar da crise e com um cartaz menos rico, está confiante no sucesso desta edição?

R – Estou confiante na capacidade de atração da Feira como em anos anteriores. Vamos ter mais pontos de animação na feira e este ano vamos ter, para além do palco principal, um palco pequeno na entrada do pavilhão, à semelhança do que fizemos na Feira do Fumeiro e onde atuarão grupos de concertinas, um grupo de folclore mexicano e outros grupos nas tardes de sábado e de domingo, como forma de animar o espaço do artesanato e o pavilhão das atividades económicas. Vamos ter também outro palco para a TVI que não pode ter o mesmo palco. Vamos passar da situação de montar um palco único para três palcos, o que também é uma forma de aumentarmos a animação dentro do processo feira como forma de dinamizarmos o espaço.

«O esforço que a associação vai fazer este
        ano com a feira não é repetível»

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