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O Escândalo das Portagens

As televisões e os jornais vão dando notícias quase diárias sobre o escândalo das portagens, contando histórias das muitas vítimas do sistema. Este, esclareço já, serve para o Estado extorquir em coimas o que não consegue cobrar em impostos, beneficiando da cumplicidade da Autoridade Tributária (AT) e das concessionárias das auto-estradas. Convém ter em conta que o produto das multas é dividido entre estas três entidades (Estado, AT e concessionárias) e por isso têm todas interesse na manutenção do sistema e na maximização de lucros que este permite.

A coisa funciona assim (apresento um de vários cenários possíveis): o leitor celebrou um contrato com a Via Verde e comprou um identificador. A partir daí, quando passa numa portagem, ou num pórtico de uma das antigas SCUT, irá ser feito um débito na conta bancária que indicou no contrato. O primeiro problema é que o débito raramente é feito no próprio dia, ou mesmo no dia seguinte. Por vezes, demora mais de uma semana. O segundo problema é que, contrariamente ao que seria de esperar, o débito directo está associado a um cartão multibanco e, quando este caduca, mesmo que haja dinheiro na conta o pagamento não é feito. Se o leitor for cuidadoso e ler com atenção tudo o que lhe enviam para casa, irá aperceber-se de algo errado e irá a tempo de corrigir a situação com encargos mínimos. Contudo, se for por exemplo gerente de uma transportadora com dezenas de viaturas a fazer centenas de viagens em auto-estradas por mês e não der atenção às cartas que lhe chegam da Via Verde ou da Ascendi, pensando que como há dinheiro na conta está tudo bem e o que vem naqueles envelopes é apenas publicidade ou algum engano, então é candidato à desgraça.

Um dia ,vai descobrir que por cada pórtico onde cada uma das viaturas passou sem o pagamento ser feito terá sido cometida uma contra-ordenação. Que a multa é calculada num mínimo de dez vezes a taxa não paga (em geral mais de vinte vezes, pelo menos quando a infractora é uma empresa), que por cada pórtico ou portagem é considerada uma infracção e que cada uma importa em cerca de 75 euros de custas, que terá ainda de pagar “custos administrativos”, destinados à concessionária e, claro, a portagem não paga. Assim, uma viagem da Guarda a Lisboa, que custa habitualmente e em circunstâncias normais cerca de vinte euros em portagens, pode ficar em muitas centenas de euros. Imagine agora o leitor, e este é um elemento importante do processo institucionalizado de extorsão, que pretende ir para tribunal defender-se. Pois o sistema está pensado para o desincentivar a fazê-lo. Por cada recurso de contra-ordenação terá de pagar uma taxa de justiça de 102 euros e a AT tem por hábito negar, erradamente, a apensação (junção) de processos.

Dizem-me que há cerca de mil funcionários da AT a dedicar-se praticamente em exclusivo à cobrança de portagens e acréscimos. Especialmente insultuoso em tudo isto é o facto de as concessionárias das auto-estradas, que bem nos exploraram nas rendas exorbitantes que obtiveram nas parcerias público-privadas, aproveitando-se da criminosa incompetência dos nossos governantes, estarem agora a aproveitar os recursos do Estado para aumentarem ainda mais os seus lucros.

Por: António Ferreira

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