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O deputado também mora ali…

No passado dia 4 de Junho, quando os ingleses foram às urnas para as eleições europeias e autárquicas, as revelações tragi-cómicas das “despesas” e subsídios indevidas de deputados e ministros no Reino Unido tiveram bastante impacto. Felizmente para muitos, não foram as legislativas.

Mas um destes dias, devido ao sistema inglês de “constituency” (o círculo eleitoral), cada “MP” (Membro do Parlamento) envolvido terá de enfrentar, mais uma vez, os cidadãos do bairro que representa, lá “em casa”, e a mesma equipa que o ajudou a ganhar a eleição anterior. E explicar porque foi apanhado com as “mãos na caixa”.

Ninguém pode chegar ao Parlamento sem representar um “constituency” definido e, às vezes, ficam na mesma zona em toda a carreira. Por exemplo, a ex-primeira-ministra Margaret Thatcher foi deputada pelo mesmo bairro de Finchley de 1958 até 1990. Na África do Sul, até 1994, o sistema era o mesma. O Parlamento branco tinha deputados eleitos por círculos eleitorais. Mas, como ainda é o caso em Inglaterra, estes círculos eram geograficamente definidos até à rua: bairros, vilas e campo, sempre com uma população mais ou menos igual. Numa grande cidade, um círculo era denso e pequeno; nas montanhas, um círculo podia ser imenso, com uma dezena de aldeias e muita floresta.

Eu lembro-me de ouvir as “minhas” primeiras eleições, cedo, numa manhã de 1950, ainda criança, aconchegado na cama dos meus pais, enquanto os resultados chegavam, por rádio, um por um, vila após vila, e a reacção dos meus pais a cada “cadeira” ganha ou perdida durante a noite. Antes de 1994, tudo isso era dividido em dois; brancos em distritos brancos; negros em zonas negras, com instituições próprias, impotentes para mudar a situação nacional. Mas o modelo era igual.

Em Abril de 1994 chegaram as primeiras eleições livres, seguidas pela nova Constituição, e, hoje, a situação é muito diferente. Como em Portugal, os partidos dominam, a nível municipal ou nacional. Hoje, ninguém tem distrito próprio; ninguém pode falar do “nosso deputado”.

No passado 9 de Maio, quando Jacob Zuma foi empossado como novo presidente da África do Sul, ninguém, nem Zuma nem as outras figuras nacionais que encheram os ecrãs da televisão, representava pessoalmente qualquer eleitor. Todos eram nomes na lista decidida pelo todo- poderoso partido.

E Portugal? As palavras do “Estatuto do Deputado” da Assembleia da República são claras. O artigo 1.º, sobre a “Natureza e âmbito do mandato”, diz o seguinte:

«1 – Os Deputados representam todo o País, e não os círculos por que são eleitos».

Humm. Cá temos uma razão razoável para perguntar por que os nossos 230 deputados estão um pouco afastados dos eleitores. Concebida originalmente para reduzir a influência política de zonas já privilegiadas, a medida mostra agora muitas fraquezas. A geografia ainda é o ingrediente essencial de democracia, o que funciona melhor quando um encarregado é responsável por um pedaço de terra definido, com um determinado grupo de eleitores. Acredito que um representante público deve a sua legitimidade às vozes de um determinado distrito – preferencialmente a zona onde mora ou, no mínimo, onde tenha casa.

Qualquer deputado deve saber que os olhos da sua “família política”, lá em casa, são postos nele cada vez que abre a boca no hemiciclo de São Bento. Este sistema tão simples e tão pessoal ajuda muito, e cria uma atmosfera menos polarizada. Temos que criar situações em que deputados com anos de bom desempenho e experiência podem receber apoio, com os eleitores a pensar um pouco menos nos partidos.

Temos que abrir, mais uma vez, a questão da reforma; deixar de fora os antagonismos e o jogo estéril dos partidos; definir zonas fixas que nos permitiriam eleger um deputado num círculo eleitoral que existe bem perto. Na África, tal reforma é pouco provável, mas em Portugal? Talvez em 2014 possamos ouvir no Rádio Altitude:

«… Os resultados para o círculo eleitoral de Guarda Sul, distrito da Guarda, são os seguintes. Senhora Elisabete Sampaio, PSD, 6.350 votos… Senhor João Paulo Ferreira, PS, 5.810 votos….». [O leitor pode ajustar estes resultados imaginários como quiser]

Por: Rory Birkby

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