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«O conceito de família está a ser banalizado por uns e boicotado por outros»

Cara a Cara – Daniel Lucas

P – Qual o balanço do primeiro mês do Programa de Fortalecimento Familiar na Guarda?

R – No dia 18 de abril reunimos a comunidade técnica e outros interessados, cerca de 50 pessoas, num dia intenso de reflexões e soluções sobre a infância, juventude e família numa perspetiva de passado, presente e futuro. Quais as boas práticas já existentes e, por fim, qual a mais-valia de um novo programa desta natureza (que trabalha o sistema familiar) no concelho. Todo este envolvimento serviu para criar uma carta aberta (ainda em construção), em parceria, com os técnicos e de estudo e análise para os técnicos do Programa de Fortalecimento Familiar delinearem o caminho da intervenção. No fundo, tratou-se de criar uma assembleia para uma avaliação participativa, dos temas, com quem está no terreno diariamente. A 20 de maio foi inaugurado o espaço do programa, no Solar dos Póvoas, na Praça Velha. Este quase primeiro mês tem sido um tempo de formação específica para os técnicos do programa; de (re)construção de modelos de intervenção e de análise das primeiras famílias encaminhadas pela CPCJ da Guarda (Comissão e Proteção de Crianças e Jovens).

P – Quantas famílias estão a ser acompanhadas? Têm conseguido responder a todos os pedidos?

R – Estamos a iniciar com três famílias, com sete crianças e jovens do concelho da Guarda. À medida que vamos recebendo famílias poderemos aumentar a equipa de trabalho. Neste momento esse aumento depende de um acordo de cooperação com a Segurança Social, que esperamos que esteja para breve, pois só assim será possível manter um programa deste género de forma sustentável. Atualmente temos uma equipa de três técnicos, um está a cem por cento e os outros dois a 20 por cento cada. Em relação aos pedidos, sabemos que há, infelizmente, muitos casos que poderão ser encaminhados e que se enquadram no programa. Somos um parceiro privilegiado da CPCJ na intervenção social destas famílias sinalizadas. Contudo, este programa não recebe as famílias avulso, é um trabalho muito sério em que as próprias famílias são os agentes da mudança (modelo colaborativo) e isto leva o seu tempo.

P – Há um problema comum à generalidade das famílias com que trabalham? Pode falar-se nalgum tipo de tendência?

R – Atualmente não podemos dizer que há um protótipo de família. Grande parte das famílias estão a atravessar problemas bastante sérios, particularmente económicos, que são transversais a qualquer tipo família e classe social e estão a levar ao desmoronamento da organização familiar. É nesta fase que verificamos a fragilidade da família ou indivíduo e que as capacidades e competências não são suficientes para ultrapassar os problemas sozinhos. Neste momento são os casos mais graves e quando nos chegam, esta estrutura familiar está numa fase muito delicada e com graves problemas. Se não for tratada a “doença” da família, ela entra na tão falada espiral recessiva. Ainda continua a haver as ditas “famílias tipo”, que são apelidadas de negligentes dos cuidados primários dos seus filhos e que se aproveitam do sistema. Acredito que com este programa possamos quebrar o mito que estas famílias carregam. Começa com o que eu chamo de RAP: Respeitar, Acreditar e Potencializar o que têm de bom.

P – Como tem sido o acolhimento desta iniciativa localmente?

R – Temos sido bem recebidos em todas as instituições e entidades com quem estivemos reunidos. Queremos ser vistos como parceiros e complemento das intervenções já existentes. Não estamos em substituição do que já existe de bom. Quero realçar o bom entendimento com a Segurança Social e com a Câmara da Guarda que, desde o início, apoiaram esta iniciativa, que nesta primeira fase é autofinanciada e conta com alguns donativos.

P – Por quê a escolha da Guarda para receber a segunda equipa de intervenção a nível nacional?

R – O Programa de Fortalecimento Familiar é para “nascer” onde já temos algum trabalho realizado, no caso da Guarda, temos a Aldeia de Crianças SOS (acolhimento de crianças). Como vinha da experiência em Rio Maior, onde estive nos últimos cinco anos e temos Apartamentos de Autonomia para Jovens, houve esta junção da experiência e vontade de regressar com a possibilidade de lançar o programa na Guarda. Por outro lado, no distrito não existe este tipo de programa.

P – Quais os principais objetivos deste projeto?

R – Entre os vários objetivos destaco os seguintes: minimizar/retirar a família e sobretudo a criança/jovem da situação de risco ou perigo em que se possa encontrar; em segundo lugar, manter a criança/jovem no seu seio familiar e evitar a institucionalização e, em última instância, acordar com a família que a institucionalização é o melhor.

P – O conceito de família tem sido devidamente protegido?

R – Diria até que o conceito está a ser banalizado por uns e boicotado por outros… Ainda há pouca abertura ou consenso para a aceitação de outras tipificações de família, o que deixa o conceito “volúvel”, sendo que a vantagem é ser um conceito dinâmico. Enquanto técnico, o mais preocupante não é o conceito, mas sim a sua essência, o seu dia-a-dia. De um momento para o outro parece que nos esquecemos do sentido de comunidade (enquanto família) e da individualidade de cada um (no seu papel e liberdade), tornando-nos pequenos grandes ditadores. A função política do Estado/Sistema, enquanto protetor e defensor, também parece ter-se esquecido da família e da sua riqueza.

P – Que outros projetos das Aldeias SOS podem vir a ser aplicados na Guarda?

R – Neste momento a Associação de Aldeias de Crianças SOS Portugal para a Guarda tem dois projetos: Aldeia de Crianças SOS enquanto acolhimento e o Programa de Fortalecimento Familiar. Este último pretende abranger diversos públicos e ser uma mais-valia inserida numa Rede Social. O Programa de Fortalecimento Familiar, para além da intervenção terapêutica familiar no domicílio das famílias, pretende ainda trabalhar com grupos de jovens com mais de 12 anos, fazer formação parental, criar um gabinete de apoio psicossocial, tertúlias temáticas sobre a infância, juventude e família e ser promotor de formação para a comunidade técnica.

Daniel Lucas

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