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O bom aluno

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Enquanto estudante conheci vários bons alunos. Uns porque, intrinsecamente, tinham condições para o ser, outros porque queimavam pestanas noites a fio nos livros. Hoje, enquanto professor, continuo a conhecer bons alunos em ambos os casos.

Vem este intróito a propósito da visita da senhora Ângela Merkel a Portugal na passada segunda-feira. Ela, que tanto nos preza e que não se cansa de apregoar a quem a quiser ouvir que somos os bons alunos (quem sabe se os melhores…) de todo o velho continente, veio visitar os seus discípulos. Uma visita que, com propriedade, se pode dizer relâmpago.

Mas, afinal, a senhora chanceler não confia tanto nos seus bons alunos que não traga uma multidão de seguranças, carro blindado… Isto para além dos seus bons alunos terem tratado de mobilizar umas larguíssimas dezenas de polícias para impedir que algum discípulo mais atrevido a quisesse cumprimentar de mais perto.

O que é verdade é que, com mais ou menos salamaleques, a senhora chanceler lá cumpriu o programa estipulado. Meia hora com o senhor Silva deve ter chegado para nos assegurar futuro por mais uns milénios. O almoço no Forte de S. Julião da Barra deve ter servido para prometer ao senhor Coelho que esta espécie de país iria sobreviver mais uns anitos desde que assegurasse o apertar do cinto por mais umas décadas de molde a pagar os escandalosamente irrisórios juros que a nossa sempre amiga e desinteressada Alemanha nos cobra.

E depois, aquela imagem que as televisões passaram em que o nosso primeiro e a primeira dos germânicos aparecem, qual casalinho apaixonado a olhar o oceano do alto do forte, é verdadeiramente um poema… Que bucólico!… Que poético!… Quase me emocionei… Aliás, só não cheguei às lágrimas porque essas, as lágrimas, estão guardadas para verter quando o subsídio de Natal não cair na minha conta bancária e para quando este desgoverno aplicar as novas taxas de IRS lá para 2013… E de que falariam eles? Dos navegantes de quinhentos que quiseram emigrar e que deram novos mundos ao mundo? Daqueles que agora, mesmo não querendo, são obrigados pelas circunstâncias a procurar novos horizontes para lá do mar oceano? Ou talvez o nosso primeiro, num súbito acesso de análise critica lhe estivesse a declamar Pessoa dizendo-lhe que “… falta cumprir Portugal.”…

Mas pronto, fiquei descansado. A legião de empresários alemães que irá investir em Portugal descansou-me. Os seus investimentos hão-de produzir efeitos para acalmar os malandros que, porque não têm mais que fazer, se dedicaram a assobiar a senhora chanceler chamando-lhe nomes que, felizmente, ela não percebeu porque apenas fala aquele arrevesado alemão que lhe conhecemos.

Voltemos então ao início desta prosa e à questão dos bons alunos e às, chamemos-lhe assim, duas categorias que identifiquei. É que, vistas bem as coisas, há ainda uma outra espécie de bons alunos. Aliás, melhores que aqueles. São os alunos que não aceitam de mão beijada o que o professor diz como verdade única e indiscutível. São os alunos que argumentam, que questionam o porquê das coisas, que só depois de perceberem a verdadeira razão de ser de determinado conteúdo se dão por satisfeitos. E são esses que, mais tarde ou mais cedo, vingam na vida. Não me venham pois dizer que somos os bons alunos da Europa porque, tenho para mim, que isso, mais que um elogio, constitui uma ofensa…

Por: Norberto Gonçalves

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