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O berço de uma noção

observatório de ornitorrincos

Preocupado com a curiosidade intelectual dos leitores desta coluna – mais curiosidade do que perspicácia, caso contrário já nem para o título olhavam – procurei esta semana encontrar um tema de interesse relevante para ocupar a crónica semanal. Um tema que fosse ao mesmo tempo substancial e importante, premente e curioso. Dediquei até algum tempo em busca desse tema, para esmiuçar com todos os que habitualmente acompanham este espaço. Mesmo que falte algum leitor esta semana, os outros dois merecem esse esforço. Foi assim que após estar várias horas no sofá sem fazer nada, encetei uma demorada busca de mais de 8 minutos nas notícias da semana passada para encontrar um assunto mesmo muito interessante para reflectir. Devo no entanto advertir o leitor mais incauto (porque o outro é mais sagaz) que eu reflicto como um espelho embaciado. Nota-se que há ali qualquer coisa a reflectir, mas não se entende exactamente o quê. Para se perceber com nitidez o que reflecte é necessário aguardar que o espelho seque. No Observatório de Ornitorrincos acontece algo de semelhante. Para o leitor conseguir perceber o que reflecte o plumitivo é preciso esperar até às últimas linhas e – cá está a semelhança – apanhar enormes secas. Escrevi, por conseguinte, uma reflexão aprofundada sobre vários assuntos de relevância quotidiana para todos nós. Em seguida guardei-os numa pasta de documentos do computador e comecei este texto parvo que está a ler. Encontra-se assim o leitor no meio do meu próprio processo criativo – “criativo” tendo aqui um sentido semântico ele próprio muito criativo. E já que se encontra no meu processo criativo, importa-se de ir à cozinha buscar-me umas bolachas enquanto acabo de escrever esta frase? Obrigado. Como pode ver, o leitor está neste momento a participar no espinhoso acto de escrita semanal. E eu para aqui a dizer baboseiras. Se calhar é melhor calar-me e deixar o leitor acabar o que está a fazer.

Deve o leitor assimilar as dinâmicas da escrita para apreender a hermenêutica dos textos. Por exemplo, quando me sentei à frente do ecrã não era isto que pensava escrever. Para ser rigoroso não tinha pensado escrever nada, apenas verificar a actualização diária dás várias páginas web com donzelas em trajes diminutos – provavelmente de sítios do hemisfério sul, onde o calor começa agora a aparecer. E foi precisamente o enorme título de uma dessas páginas, “Tuesday Nude Pictures”, que me recordou ser este o dia da semana em que devo enviar para a redacção o texto da crónica. A partir desse clique, foi só pôr a imaginação a funcionar. Desse modo, enquanto escrevo estas linhas vou imaginando as raparigas e as suas roupas apropriadas para climas aquecidos.

Poderá o leitor interrogar-se nesta altura se é este o caminho percorrido pelos escritores até chegar ao texto final. Faz o bem o leitor em interrogar-se, embora não precise de mim para o fazer, porque é uma acção reflexiva. Mas já que o fez, deixe-me dizer-lhe que é uma bela interrogação. Quando encontrar um escritor, hei-de perguntar-lhe e darei notícias.

A outra grande questão com que se depararam todos aqueles que usam a palavra escrita para se exprimir é: Será que desliguei o fogão? Mas há muitos que também perguntam coisas sem nenhum interesse. Por exemplo, qual a razão de escrever. Os desígnios são variados, mas o espírito da Humanidade sobrevive nas marcas que ficam na história em forma de texto. Há quem escreva para atingir a imortalidade, para conhecer a alma dos Homens ou, no meu caso, porque telefonam do jornal a pedir o texto até ao fim da tarde.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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