Arquivo

«Nunca senti necessidade de deixar esta região»

Manifestação da “Geração à Rasca” levou milhares às ruas de Lisboa, o INTERIOR foi tentar conhecer diferentes perspetivas dos jovens da região

Helder Prior, 26 anos, começou a desenhar o futuro nos primeiros anos da faculdade. Estudava Ciências da Comunicação na Universidade da Beira Interior e cedo percebeu que o tempo da «licenciatura despreocupada» havia terminado e decidiu preparar caminho para ingressar na via da investigação. Já Patrícia Eusébio, 24 anos, adiou a vida universitária ao sair do ensino secundário e optou por um curso profissional na área da contabilidade, na Covilhã. Embora ambos reconheçam que há menos investimento no interior do país, não parecem temer um futuro construído aqui. «Nunca senti necessidade de sair de cá», admite mesmo Patrícia.

O protesto da “Geração à Rasca”, convocado através das redes sociais, levou milhares de pessoas a manifestarem-se em Lisboa e noutras cidades portuguesas no sábado passado. Ouviram-se palavras de ordem contra o rumo de um país onde as perspetivas de estabilidade entre os jovens escasseiam. Para Helder Prior, doutorando em Ciências da Comunicação na UBI e Universidade Autónoma de Barcelona, este protesto reflete um «momento de expressão» da sociedade civil. «Chegámos já a uma situação limite no que diz respeito à desconsideração progressiva a que os jovens qualificados têm sido sujeitos», assegura. Embora acredite que a manifestação possa abrir caminho à discussão, o jovem assume que é tempo da sua geração perceber que, hoje, «uma licenciatura, mesmo com uma média alta, não é suficiente». Ao enveredar pela investigação, garante que não tentou fintar a falta de emprego na sua área.

«Conheço muita gente que tentou entrar no mercado de trabalho e depois regressou à universidade porque não se conseguiu afirmar. Eu não fui à procura de uma bolsa, fui à procura de fazer investigação», sublinha. É este rumo que pretende seguir ao longo dos próximos dois anos, com a consciência de que vive num mundo cada vez mais «competitivo» e, nesse sentido, deixa o aviso: «Ou estamos preparados para competir com os melhores ou então ficamos fora do mercado de trabalho».

«O interior tem conseguido crescer»

Helder Prior não nega que tanto na investigação, como nas saídas profissionais, há mais dificuldades no interior do país. «É no litoral que estão os centros de decisão e os principais círculos de influência», refere, acrescentando que isso explica a fuga de jovens para as metrópoles. «O futuro é mais difícil no interior, mas sempre o foi e, no entanto, esta região tem conseguido crescer», garante. É neste interior em crescimento que se encontra também Patrícia Eusébio. Trabalha num escritório de contabilidade em Belmonte ao mesmo tempo que frequenta o último ano do curso de Contabilidade e Auditoria no Instituto Politécnico da Guarda. Quando terminou o secundário optou por um caminho diferente da maioria dos colegas. «Nunca tive intenção de seguir para a universidade, talvez porque sabia que os meus pais não poderiam suportar a despesa de ter duas filhas ao mesmo tempo no ensino superior», conta, adiantando que foi no ensino profissional que viu mais vantagens, por lhe conferir «algum conhecimento técnico na área da contabilidade».

Além disso, explica que o facto de ter trabalho em negócios da família durante as férias de verão foi amadurecendo a sua forma de olhar o mundo: «No atendimento de balcão, conheci muita gente, muitas perspetivas, tive acesso a muita informação que normalmente só adquirimos numa fase mais adulta», reconhece, revelando que foi, aliás, através destas experiências que conheceu o atual patrão. Ainda assim, a necessidade de conhecimento diversificado na sua área acabou por falar mais alto. E aos 21 anos decidiu submeter-se ao exame nacional de economia para ingressar no ensino superior. A pouco menos de um semestre de terminar a licenciatura, Patrícia olha para o interior com alguma esperança: «A região precisa de empreendedores, de investimento e nós devemos aproveitar o que temos e os apoios que aqui se dão por ser uma zona desertificada», aconselha a jovem.

«É preciso ser útil para a empresa»

Sobre a manifestação de sábado, assume que era «necessária», mas não deixa de questionar: «Quantas daquelas pessoas estão de facto à procura de emprego?». Na sua opinião, além de procurar trabalho, os portugueses têm de ser «úteis para as empresas». «Em conversa com colegas, às vezes chego à conclusão que os jovens não têm a ambição de lutar pela empresa onde prestam serviço», critica. Se para uns foi possível construir futuro na área de formação, para outros a saída da faculdade obrigou a uma mudança de rumo. É o caso de Pedro Gonçalves, 25 anos, licenciado em Design Multimédia pela UBI. Trabalha, por enquanto, num “call center”, mas a «persistência» tem valido a pena, já que se avizinha uma perspetiva de trabalho na área, numa empresa com quem tem mantido contacto. «Acho que é possível os jovens permanecerem no interior, mas têm de se mexer», aconselha.

Na sua opinião, bater uma única vez à porta de várias empresas «não basta», é preciso «ser muito persistente», considera. Desistir é também uma palavra que Marco Loureiro, presidente da Associação Académica do IPG, não quer usar. Presente na manifestação de Viseu, o dirigente apela agora «à criação de plataformas para pensar soluções», para que «a luta não fique por aqui». Sobre o “silêncio” dos jovens guardenses, deixa uma pergunta no ar: «Por que é que não houve protesto aqui? Parece que as pessoas da Guarda estão adormecidas», lamenta.

Dificuldades notam-se em todas as áreas

Francisco Carvalho, 30 anos, já não vive no interior. Estudou Ciências da Comunicação na UBI e não trabalha na sua área desde 2007. Embora esteja desempregado neste momento, devido a um acidente, o jovem garante que não tem receio de experimentar outras áreas. Troca a expressão “à rasca” para usar a palavra “desenrascar”: «É preciso pôr as mãos fora dos bolsos e trabalhar. Pode não ser na minha área, mas não tenho problemas com isso», confessa, acrescentado que «nem todos os sonhos de juventude se podem concretizar». Na comparação entre o litoral e o interior diz não encontrar grandes diferenças, já que o mercado laboral «está saturado» e «todos sentem dificuldades». Esta “saturação” parece fazer-se sentir em quase todas as áreas. Sofia Caldeira, 28 anos, natural de Porto da Carne (Guarda), tirou licenciatura e mestrado em Engenharia Civil e está neste momento a colaborar com a operação de recenseamento da população, os Censos 2011.

Quando terminou o curso, a sua integração no mercado de trabalho não foi muito difícil graças ao programa de estágios profissionais Inov-Jovem. No entanto, aponta agora a crise e a redução de investimentos como dois dos fatores que estão a dificultar o acesso ao emprego em engenharia civil. Mesmo assim, Sofia deposita esperanças na «mudança de mercado, de exigências, de perspetivas na vida» dos portugueses, adiantando ainda que a possibilidade de uma carreira fora de Portugal não está fora de hipótese.

Catarina Pinto Jovens manifestaram-se também em Viseu (na foto) e Castelo Branco

«Nunca senti necessidade de deixar esta
        região»

Sobre o autor

Leave a Reply