Advinha-se novo caso nos costumes deste país, a pretexto da inauguração do estádio do Futebol Clube do Porto, daqui a três dias. O homem que manda no clube decidiu aplicar o velho princípio de que à boda e ao baptizado só vai quem é convidado. E como bom cacique já ajeitou uma «lista negra», à cabeça da qual aparecem o presidente da Câmara por não ter decretado a utilidade municipal do futebol e de todos os interesses incorporados; o presidente da Assembleia da República por não ter reconhecido a utilidade política da deslocação de uns deputados, na hora de serviço, a uma final europeia disputada pelo clube; e todos os que, de um modo ou doutro, estorvam o sacrossanto princípio da colectividade-nação. Ou da colectividade acima da própria nação. Por acaso o «templo» aonde se vai fazer o «baptizado» foi pago, em boa porção, por cada um de nós – em nome de um desígnio nacional que lhe dará préstimo durante dois meses, no máximo, findo os quais o Estado restituirá à posse exclusiva de um clube, sem quaisquer contrapartidas económicas nem garantias de usufruto comunitário, um estádio onde investiu milhões. Este e mais nove. Mas não é o trejeito de país endinheirado que atrapalha as consciências. Aquilo que verdadeiramente inquieta a auto-estima dos poderes é o figurar, ou não, na lista dos convidados para as festas. Já o Cardeal de Lisboa tinha ficado desgostoso por terem chamado um frade franciscano à bênção do novo estádio do Sporting, clube do coração de sua eminência. Foi mais rápido a expressar esse desapontamento do que a denunciar eventuais indícios de miséria franciscana neste país. Para evitar a recapitulação dos melindres, o Benfica fez da inauguração da «Catedral» um exercício de diplomacia genuína, dispondo os lugares na fila de honra a contento de todas as partes. Mas agora o Futebol Clube do Porto, fazendo valer um resquício separatista, numerou os convites e provocou um ataque de nervos no seio da lista de precedências do Estado. O mal não está no gesto, está na importância que lhe é dada. Pacheco Pereira já definiu o tom certo para tratar com estes abencerragens do provincianismo que saltam ao caminho: sendo o acto que é, basta ir o secretário de Estado do ramo. Mas que os tenha no sítio e sublinhe, na hora da discursata, o essencial: que a obra está ali porque todos nós a pagámos. É isto que tem ficado por dizer em todas as cerimónias do género. Para que o país pense, enfim, naquilo que é essencial e não se perca nestas novelas de periferia.
Por: Rui Isidro