Arquivo

Novas Fronteiras

Razão e Região

O novo Secretário-Geral do PS acaba de anunciar, no discurso de encerramento do recente Congresso, o lançamento, em Janeiro próximo, do «Fórum Novas Fronteiras». Trata-se de um novo movimento político que terá como força propulsora o novo PS de José Sócrates e que visa promover uma profunda mudança política em Portugal. Um movimento capaz de seduzir os sectores mais dinâmicos e avançados do país, já que no seu horizonte ideal se encontram os valores do desenvolvimento induzido pelo conhecimento, pelo uso intensivo das tecnologias, pela inovação.

José Sócrates já teve ocasião de delinear, durante a campanha, no documento «Novas Fronteiras», publicado na «Visão» de 2 de Setembro passado, as grandes linhas de rumo que sustentarão idealmente esse movimento e que consubstanciam o essencial dos valores que se corporizam na «Esquerda moderna» que ele próprio protagoniza. São valores que radicam numa tradição progressista que se afirmou ao longo da história (de Bernstein a Bad Godesberg a Bill Clinton), mas que se exprimem hoje em linha com as novas exigências das sociedades modernas, com as suas novas fracturas ou com os seus novos sujeitos emergentes. São valores que, radicando na melhor tradição da esquerda, evoluíram como respostas às exigências de natureza social, onde a liberdade é exercida em contexto solidário e onde a dimensão comunitária permanece como referência essencial da própria existência humana. Numa palavra, são valores irredutíveis a uma lógica de selecção natural, ao domínio da força, quer ela seja exercida de forma brutal ou sofisticada, de forma directa ou indirecta e disfarçada. Mas são também valores da nossa própria contemporaneidade, que remetem para os novos problemas induzidos pelo avanço material e civilizacional. Novas fronteiras são as do consumo universal e as do equilíbrio global e parcial do ecossistema, mas também as dos riscos de implosão da bomba informática ou da emergência de novas formas de ditadura impostas pela opressão simbólica sistemática. São as dos progressos da biotecnologia, mas também as do combate à fome e à depressão civilizacional.

Num mundo globalizado, aparentemente não há fronteiras. Mas não é verdade. A globalização gera novos tipos de fronteiras. Que o digam os 27 milhões de assalariados que trabalham, para as grandes multinacionais, em cerca de 1000 zonas francas, as famosas Export Processing Zones (EPZ), onde as condições sociais de trabalho mais se assemelham a campos militares, sem qualquer tipo de cobertura social, do que a empresas modernas. Novos tipos de fronteiras directamente induzidas pela globalização, que nem sequer anulam as antigas fronteiras. Vê-se bem que Manuel Alegre não sabe do que fala. E que nem sequer leu a bíblia dos movimentos da antiglobalização, No Logo, de Naomi Klein. A verdade é que ultrapassadas as velhas fronteiras territoriais, emergem com mais força as velhas e novas fronteiras da doença, da fome e da exploração. Fronteiras, antigas e novas, são as do combate impiedoso ao cancro e à SIDA. Outra é a do combate radical contra a fome no chamado terceiro mundo. Outra é a do crescimento socialmente sustentado com emprego. Outra, ainda, é a da generalização do acesso activo à cultura. Tantas são as fronteiras, novas e velhas, que temos de superar que muito nos custa ver a cegueira de quem ainda continua a reduzi-las à dimensão policial do controlo fronteiriço. Novas fronteiras são, pelo contrário, novas metas politicamente propostas e repropostas, não atingíveis no imediato, mas para as quais, por isso mesmo, é necessário trabalhar com urgência, determinação e inteligência. São metas que estão para além da mera conquista do poder, da mera alternância politicamente inconsequente, da mera gestão do poder, mas também da mera contraposição política em nome de uma ética da convicção inconsequente e palavrosa. Novas fronteiras implicam, como diria John Fitzgerald Kennedy, na «Nomination» do Partido Democrático para a Presidência dos Estados Unidos, em 15.07.60, escolhas entre o interesse público e o bem-estar privado, entre a grandeza e o declínio nacional, entre o fresco ar do progresso e a atmosfera viciada e desagradável da “normalidade”, entre a vontade decidida e a mediocridade servil.

Não se trata, pois, só de dar passos firmes em direcção a um vasto horizonte temporal, preparando novas respostas para novos desafios, mas também de escolher já entre uma mera e medíocre vontade de gestão do poder e dos interesses instalados e uma afirmação de vontade orientada para o progresso e para o bem público. Tem, pois, sentido que José Sócrates lembre o desafio de Kennedy no exacto momento em que aceita levar o Partido democrático ao poder. De resto, entre Kennedy e Clinton é recta a linha que os une. Tal como, do outro lado, é recta a linha que, agora, após a infeliz fotografia dos Açores, une o herdeiro de Barroso ao perigoso flibusteiro Bush.

Novas são as fronteiras do desenvolvimento que gera emprego, mas também cobertura e coesão social e acesso generalizado aos centros da produção cultural. O desígnio de novas fronteiras corresponde à ambição de liderar uma mudança que integre, com harmonia, todas as dimensões da existência humana e que as projecte e valorize não só no plano material, mas também no plano social e ideal. Para além desse imediatismo pragmático, e contabilisticamente cego, que levou Portugal à recessão ou da obsessão narcisista do culto do poder, de que são, respectivamente, exemplos as duplas Barroso/Ferreira Leite e Santana/Portas.

Se, quando propõe «Novas fronteiras», José Sócrates está a pensar em tudo isto, então eu estou com ele e com o movimento que irá lançar no início do próximo ano. Para que o país deixe, de vez, para trás o período negro da ideologia de manga de alpaca e tudo o que se lhe seguiu em ligeireza de casino.

Por: João de Almeida Santos

Sobre o autor

Leave a Reply