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Nova Revolução de Abril?

O INTERIOR ouviu alguns dos rostos que marcaram o pré e pós Revolução na Guarda por ocasião dos 35 anos do 25 de Abril

Augusto Monteiro Valente quer «revolução cidadã»

Quando no dia 25 de Abril de 1974, aos 30 anos de idade, decidiu correr o risco de uma vida e assumir o comando do Regimento de Infantaria nº12, na Guarda, o então capitão Augusto Monteiro Valente estava longe de imaginar o país de hoje. «Não que Abril não tenha valido a pena», apressa-se a dizer. O actual panorama social, económico e político não é o melhor, reconhece o agora major general, para quem urge uma nova revolução. «Uma revolução cidadã», precisa.

«Houve desvios no rumo, erros, equívocos», acrescenta este “capitão de Abril”, natural de Coimbra e com laços familiares em Miuzela do Côa, no concelho de Almeida. «Mas o espírito continua vivo» – ou não fosse este um acontecimento histórico com «grande força mítico-simbólica», reforça Augusto Monteiro Valente. Diz que a Liberdade, a democracia, a paz e a segurança conquistadas fazem daquele dia de Abril de 1974, em que avançou para a ocupação da fronteira de Vilar Formoso, uma data inesquecível. A revolução que pede ao país 35 anos depois tem de ser concretizada pelo cidadão comum. Porque há que haver um reforço do controlo democrático, considera. «As pessoas não devem ficar limitadas ao voto», defende, ao considerar que é aqui que reside parte dos problemas de hoje. «As pessoas continuam bastante apáticas, mas é necessário uma maior exigência dos cidadãos por mais Abril», garante. O cidadão tem de ser «mais exigente e participativo» e «fazer pressão» de várias formas sobre os poderes, incluindo através da comunicação social. Uma combinação entre democracia representativa e uma democracia participativa, resume Augusto Monteiro Valente.

Uma revolução a começar pelos «poderosos»

Era estudante no antigo Colégio S. José, foi várias vezes chamado à Direcção Geral de Segurança (DGS) e tinha apenas 18 anos à data da Revolução. Cedo ganhou consciência de que era anti-regime. Hoje, Albino Bárbara confessa-se algo desiludido com o rumo do país. «Abril está ainda por cumprir», reconhece quem ainda continua a sonhar com os mesmos ideais: um país mais justo, mais livre e mais fraterno. Porque, vai dizendo, «se os princípios estavam correctos, a prática não é essa». Albino Bárbara era dos que lia o “Avante” no Grupo Egitaniense de Teatro Amadores (GETA) e teve na distribuição de panfletos na semana seguinte à morte de Ribeiro dos Santos o seu primeiro trabalho político, em Outubro de 1972. Afirma que o preocupa ouvir falar na pior recessão da era democrática, numa classe média que «empobrece alegremente», na crescente desigualdade social e nos dois milhões de pobres efectivos do país. E ainda na disparidade entre os vencimentos das reformas milionárias e as reformas mínimas de 200 e 300 euros, «que não chegam nem para os primeiros dias do mês». «Praticamente todos os ideias de Abril estão por cumprir», lamenta.

Para Albino Bárbara, é preciso uma «nova revolução» no seio da sociedade, a começar pelos «grandes e poderosos, que têm de iniciar a descida do pedestal». Isto é, «têm de perceber que têm que receber cada vez menos, nomeadamente os gestores públicos», exemplifica. Já a classe política tem de «abdicar das benesses, mordomias e belíssimos vencimentos que lhes oferecem as comissões de serviço», sustenta.

«”Ferros” do salazarismo ainda evidentes»

«Abril, como qualquer outra utopia, nunca se pretendeu que fosse imediato», diz, por sua vez, António Júlio Garcia. Natural da Guarda e médico na cidade durante mais de 40 anos, este ex-autarca do Fundão sofreu na pele a tortura e a prisão do regime. Sempre se opôs à ditadura, de tal forma que, naqueles tempos conturbados em que era alferes, foi chamado várias vezes a explicar-se e acabou preso em 1971, tendo passado por Caxias. Tinha 30 anos.

Ao contrário de Albino Bárbara, António Júlio Garcia diz que, de uma forma geral, Abril conseguiu realizar-se. A actual situação do país também o preocupa, mas nota que não há nada como viver em liberdade. «Entrar no café e pedir uma cerveja era luxo só para alguns», recorda, sublinhando que, comparando com aqueles tempos, «nunca tanta gente viveu tão bem». Ressalva, no entanto, que as suas palavras não significam que considere que o país se encontre numa boa situação social e económica. Pior é encontrar ainda alguns “vestígios” do salazarismo: «É que temos muitos “ferros” do salazarismo ainda evidentes», garante, ao falar em «corporações ainda com muito peso», que não olham ao bem comum. Por isso, António Júlio Garcia refere que Abril ainda terá de passar por aqui.

Abílio Curto propõe «revolução de valores»

«Até que ponto vamos aguentar é o que a alma de Abril questiona», reflecte o ex-autarca Abílio Curto, na política desde 1969, altura em que, com 28 anos, integrou a comissão de apoio à CEUD, antecessora do MDP/CDE. O homem que a seguir ao 25 de Abril entrou na Câmara da Guarda na primeira comissão administrativa, indicado pelo MDP/CDE, diz que é urgente uma «revolução de valores e a nível intelectual» e propõe uma séria reflexão nesta data comemorativa. «Estamos ou não numa democracia plena?», questiona.

A liberdade, o fim da guerra colonial e a mordaça da PIDE são aspectos que enfatiza, mas lamenta que «muitas promessas que Abril continha não tenham sido cumpridas». Fala também dos dois milhões de pobres e do «fosso enorme» entre as classes. «Os Governos que estiveram à frente do país saíram de um bloco central, governaram alternadamente e têm os seus interesses instituídos», lamenta. Contudo, Abílio Curto também não tem dúvidas: «A Revolução valeu a pena».

«A democracia cumprirá o seu papel»

Pires Veiga, actual director da Segurança Social da Guarda, confessa que uma das suas maiores preocupações está numa nova geração que vive «uma grande instabilidade que nenhuma outra viveu», por não ter oportunidades de trabalho no tempo esperado. Pires Veiga, aspirante no Regimento de Infantaria nº 12 em 1974, não propõe qualquer revolução no panorama actual. Antevê mesmo que «a democracia cumprirá o seu papel», resolvendo os actuais problemas.

«Ainda bem que alguns problemas existem, caso contrário os homens sentir-se-iam menos desafiados», lança, ao realçar que faz parte da essência do ser humano procurar evoluir. Há 35 anos «mudou tudo», recorda Pires Veiga, para depois notar que já vão sendo cada vez menos os que conseguem fazer o processo comparativo entre o antes e o depois. Tinha na altura 21 anos. À semelhança de outros jovens, vivia angustiado com a ideia da mobilização para o Ultramar. Os soldados pouco sabiam no 25 de Abril qual o plano de operações, recorda. Apenas se ouviam rumores. E depois da revolução também pouco se sabia o que iria suceder ao país. «Que políticos tínhamos nós preparados para governar o país?», questiona.

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