Arquivo

Nós

Bilhete Postal

E nós, em nós, sós e por nós apenas, somos bombardeados a cada dia e em cada hora e a cada falhanço deles, que sem nós fazem tudo e decidem plenamente as coisas, onde nós, sempre sós, tentamos fazer melhor do que eles deixam com tantos nós que fazem de nós e do nosso querer e da nossa vontade de construir. Somos nós a resistência e a persistência em fazer ainda, em melhorar cada dia o espaço que de nós já nada tem porque apagam-nos cada vez mais, em ordens menos, em decisões pantanosas, em descaracterizações, pantomimas, controles, e somos menos pessoas e mais computadores e mais custos teclados e menos dedicação e menos mão na mão, menos vezes os olhos, cada vez menos nós e mais os dedos nas teclas e olhos nos ecrãs. Nós despojados da força de responder ao imprevisto como cidadãos, nós submetidos à cruz biométrica, à força das estatísticas grosseiras, das leituras torpes, das decisões lidas cegamente, sem conversas, sem vozes. nós sem os olhos, sem os dedos, sem as palavras, e sem a decisão. somos o destino das ordens e caminhamos em linhas e cumprimos em carreiros as decisões tristes e armazenamos défices que não construímos e pagamos dívidas que não conhecemos. Nós pagamos. Nós somos filhos das lideranças forjadas, das direcções incompetentes, das escolhas medíocres, dos que não cumpriram, não tiveram horários, não fizeram exames, não foram avaliados. Nós os que pagamos sempre somos produto dos que não pagam nunca. Os que edificaram o desnecessário, os que projectaram vaidades e objectos poluentes. Eles desenharam estádios, criaram estradas de ninguém, fizeram hospitais desertos, fizeram empresas, instituições e fundações e lugares milionários que nós desconhecemos. Nós pagamos tudo isto e pagaremos muito mais. Nós sem olhos, sem decisões, sem mãos, sem afectos chegamos ao ódio entre nós por via de não lhes dedicarmos beliscões. Nós somos os anões.

Por: Diogo Cabrita

Sobre o autor

Leave a Reply