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No Verão, guerra

A televisão traz-nos todas as noites imagens de destruição do Líbano e noite sim, noite não, do norte de Israel. Em Nova Iorque, diplomatas das potências mundiais e regionais procuram encontrar um acordo de cessar-fogo que leve a paz durável. Entretanto há mais mortes e as paixões exacerbam-se. Os europeus recebem as notícias ilustradas desta guerra como se elas viessem doutro mundo. Já assim tinha sido, há 15 anos, com as guerras da Croácia e da Bósnia, e em 1999, com a do Kosovo. Todas ao virar da esquina e a parecerem tão longe.

Arrasados pelos morticínios de 14-18 e 39-45 e protegidos da brutalidade do tio Estaline & herdeiros pelo guarda-chuva nuclear americano, os europeus do Ocidente quiseram enterrar mil anos de zaragata constante e juntarem-se em paz. Ajudados pelo génio de alguns homens práticos (Jean Monnet era negociante de conhaque, Jacques Delors nem sequer é doutor) chegaram longe. A União Europeia exclui a guerra da solução de pendências entre os seus Estados-membros e na cena internacional é apologista convicta das vantagens da influência pacífica – o chamado «soft power» – sobre o uso, ou ameaça de uso da força – o chamado «hard power» – para convencer mesmo o adversário mais hostil e teimoso da bondade universal das suas posições.

Embora a prática seja incoerente e tortuosa – em 1999, os 11 membros da União Europeia que eram também aliados na NATO fizeram guerra à Sérvia sem aval do Conselho de Segurança da ONU – o princípio é esse e hoje muitos cidadãos europeus consideram a guerra um anacronismo obsceno. Progresso moral? Talvez, mas não é o que julga o resto do mundo e convém prestar atenção porque poderá haver adversários suficientemente teimosos para não se deixarem convencer a bem e suficientemente hostis para, por sua vez, nos quererem convencer a mal.

Por outras palavras: devem-se em princípio evitar guerras mas poderá ser impossível evitá-las. Ou porque, atacado, um país queira defender-se ou por se saber que não travar cedo o passo a um agressor é criar calamidades futuras maiores (Hitler e Munique). Infelizmente, discursos de políticos e orçamentos de defesa mostram que, com raras excepções, opiniões e governos europeus preferem ignorar estas evidências. Por julgarem que ninguém os atacará? Por continuarem a contar com os americanos? Não sei. O que sei é que tal atitude não prepara os europeus para um mundo sem guerra, prepara-os para perderem as guerras em que o mundo um dia os meter.

Por: José Cutileiro

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