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No “Galinheiro” é necessário ser Raposa

«Diz-se em jornalismo que “todos os textos têm impressões digitais” de quem os escreveu. Uma análise atenta ao fluxo de informações dentro da câmara, o exame cuidado dos pormenores descritos nos textos, o estudo de uma rede de relações entre determinadas pessoas, certamente teria levado a melhores resultados. As vezes, estamos demasiado perto para ver. E para descobrir o que está debaixo do nariz é preciso alguma distância. No “Galinheiro” por vezes é necessário ser Raposa»

“Quem não se sente não é filho de boa gente” alegou Carlos Pinto como justificação para o processo que meteu em tribunal na tentativa de descobrir os autores do blogue satírico “Chicken Charles – o anti-herói” (http://covilhas.blogspot.com). “Foi a maior ofensa da minha vida”, sublinhou o presidente da Câmara da Covilhã, para quem a “a sistematização dos textos” revela “um objectivo preciso” de humilhação do seu nome “e não apenas uma brincadeira”.

Mas o que conseguiu com este processo?

Conseguiu que um blogue esquecido voltasse a ser tema de conversa. E, como o blogue continua online (o que é incompreensível) muitos aproveitaram para rever os velhos textos. Outros que ainda desconheciam este espaço na net, aproveitaram para o visitar. Se Carlos Pinto alegava ter sido sujeito a situações de “vexação”, sendo “motivo de todas as conversas, chacotas e cochichos”, por causa do blogue, então esta situação apenas triplicou os cochichos.

O blogue apresenta dezenas de artigos, publicados entre Maio de 2004 e Fevereiro de 2006, apresentados como fábulas de uma quinta, em que Chicken Charles”, o galo, “controla” todas as “galinhas” e “borregos”. E num país com tantos processos por investigar, eis que a Polícia Judiciária resolveu ocupar o seu tempo e os seus recursos para identificar um humorista. Acabou por identificar um jovem designer que, já se percebeu, pode ser um “compincha” do blogue mas não é certamente o “cérebro” do projecto.

Diz-se em jornalismo que “todos os textos têm impressões digitais” de quem os escreveu. Uma análise atenta ao fluxo de informações dentro da câmara, o exame cuidado dos pormenores descritos nos textos, o estudo de uma rede de relações entre determinadas pessoas, certamente teria levado a melhores resultados. Às vezes, estamos demasiado perto para ver. E para descobrir o que está debaixo do nariz é preciso alguma distância. No “Galinheiro” por vezes é necessário ser Raposa.

Por outro lado, considero que os textos eram brincadeiras até à instauração do processo. Às brincadeiras (sobretudo de mau gosto), respondemos com indiferença. Mas o facto de Carlos Pinto ter assumido as suas dores, veio validar publicamente os textos e dar-lhes uma dimensão que até então não tinham. Assumir a ofensa é que o humilha, o que só veio dar alegrias aos autores do “Chicken Charles”.

A sátira é apenas uma caricatura, um traço grosseiro para sublinhar determinados aspectos sócio-políticos. Temos em Portugal uma enorme tradição neste campo, Bordalo, Villena, o teatro de revista, os cartoons nos jornais, a própria “Contra-Informação” da RTP. Mas ninguém imagina toda a nossa classe política em tribunal no banco dos humilhados e ofendidos. Seria uma risada.

Por: João Morgado

Director www.kaminhos.com

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