P – O que se pode ouvir no seu disco mais recente, intitulado “Shout”?
R – No “Shout” pode-se ouvir música para saxofone e piano e também para saxofone solo. É um conjunto de peças de compositores de origens e estéticas diversas, mas com alguns traços em comum. Há uma presença notável de compositores ingleses: Mark-Anthony Turnage, Richard Rodney Bennett e Christopher Bochmann, apesar de este último estar radicado em Portugal há mais de 30 anos. Há também um compositor japonês (Ryo Noda) e um compositor francês (Gabriel Fauré). Com a exceção de Fauré, todos os compositores têm, em maior ou menor grau, uma linguagem vanguardista. Mas o que toda a música contida neste CD tem em comum é o seu caráter expressionista.
P – Neste trabalho optou por obras que expressam a dialética entre a vida e a morte. Porquê?
R – A morte é a nossa maior certeza, algo que nos acompanha e condiciona, algo que preside a todas as nossas angústias. A indústria cultural (como se lhe referia Adorno), que se foi progressivamente construindo ao longo do século XIX mas que teve o seu maior desenvolvimento a partir do século XX, com a reprodutibilidade mecânica de que falava Walter Benjamin, tem vindo a produzir uma cultura alienante em relação à realidade da vida e da morte, ao mesmo tempo que, paradoxalmente banaliza a imagem da morte e do sofrimento. Mas algumas das mais profundas e significativas homenagens artísticas à vida são obras que olham para a morte de frente, seja através da denúncia, seja através do luto, seja através do afrontamento ou da contemplação. O expressionismo toca-me especialmente porque não esconde da vista (nem, no caso da música, do ouvido) os horrores da vida e da morte. E acaba por nos dar uma imagem mais autêntica e completa da vida, com a qual nos reconcilia. Isso obriga os artistas (neste caso, os compositores) a uma abordagem séria e profunda da obra de arte, a arte com verdade. E é isso que eu mais prezo enquanto músico: a verdade na arte. Há muita música falsa, música de entretenimento, música que procura agradar a gregos e a troianos. O reportório para saxofone sofre especialmente disso. Neste CD só se ouve música que não foi feita para agradar nem para vender e que, no entanto, é belíssima.
P – Como surgiu a colaboração com a pianista Natalia Riabova?
R – A Natalia é uma das melhores pianistas de música de câmara que temos em Portugal. Tenho a sorte de ser colega dela na Escola Superior de Artes Aplicadas em Castelo Branco. A colaboração foi natural.
P – É um duo para continuar e para explorar outros compositores?
R – Sem dúvida!
P – O que gostaria de concretizar este ano em termos musicais? E de ensino?
R – Este ano vai ser intenso em termos musicais: para além de concertos com o “Shout” (amanhã, no TMG), tenho estreias de quatro novas peças com o Síntese – Grupo de Música Contemporânea (a 25 de março no TMG), todas com saxofone. Este ano estou também muito envolvido na comissão organizadora do Congresso Europeu do Saxofone, que se realizará no Porto, em julho, e onde deverei estrear mais nova música para saxofone. Pelo meio há ainda um projeto com a orquestra Camerata Nov’arte, que espero poder tornar público dentro de pouco tempo, e vários concertos com o pianista Fausto Neves e o violinista Manuel Rocha, para além da apresentação do novo CD do Síntese. Será um ano bem preenchido. Em termos de ensino deverei continuar onde estou: na ESART e também nos conservatórios da Guarda, Covilhã e Castelo Branco.
P – É professor de saxofone, como vê o ensino da música na região?
R – Tem vindo a melhorar muito ao longo dos últimos 15 anos. Há escolas muito boas, com muito dinamismo e qualidade, e têm sido formados alunos com um excelente nível, que seguem para carreiras bem sucedidas no ensino superior (no caso dos conservatórios, academias e escola profissional) ou para a vida profissional ativa, integrando, nomeadamente, algumas das melhores orquestras nacionais e internacionais (no caso da ESART). É um ensino de primeira linha, que não tem nada de “interior”. Tudo isto apesar das contingências dos financiamentos às escolas. Imagine-se onde poderíamos estar com financiamentos adequados, quer às escolas artísticas, quer ao ensino superior.
P – E a cultura?
R – Isso dava um grande debate… A cultura na região tem sofrido, em primeiro lugar, as consequências do desinvestimento e do desinteresse do poder central, que tarda em assumir este sector como uma prioridade, apesar do que prevê a Constituição. Mesmo na atual conjuntura política não houve ainda melhorias muito significativas: estamos longe de ter, por exemplo, 1% do Orçamento de Estado para a cultura. A nível local, a maioria das câmaras investe muito pouco neste sector, e as que investem alguma coisa fazem-no, de um modo geral, de forma completamente errada. Ainda há muito a fazer nesta área, quer a nível de dotação orçamental, quer a nível de mudanças de mentalidade e de preparação dos decisores políticos. Mas há focos de resistência e, contra ventos e marés, umas vezes com apoios públicos, outras lutando contra todas as adversidades, têm-se feito coisas bem interessantes na região.
Perfil:
Profissão: Músico
Idade: 42 anos
Naturalidade: Estarreja
Currículo: Presidente do Conselho Fiscal da Associação Portuguesa do Saxofone e membro da Direção do Síntese – GMC. Doutor em Música (ramo de Performance) pela Universidade de Aveiro, tendo sido o primeiro saxofonista português a obter esta habilitação. Licenciado em Saxofone e Música de Câmara no Conservatoire National de Cergy-Pontoise, França, e em Ciências Musicais pela Universidade Nova de Lisboa. Membro fundador do Síntese – Grupo de Música Contemporânea. Investigador integrado no Instituto de Etnomusicologia – Centro de Estudos em Música e Dança (INET-MD). Professor Adjunto Convidado na Escola Superior de Artes Aplicadas do Instituto Politécnico de Castelo Branco. Professor nos conservatórios da Guarda, Covilhã e Castelo Branco. Artista Vandoren e Selmer.
Filme preferido: “O Bom, o Mau e o Vilão”
Livro preferido: “Viagem a Portugal”, de José Saramago
Hobbies: Geocaching