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Neste Agosto, parto para a Dacia Felix!

Theatrum mundi

Chegou a altura de ir de férias! Poucas tarefas me separam dessa meta desejada há meses, tarefas fixadas mentalmente nos últimos dias e que vou realizando com a satisfação de quem sabe que, no fim, vai encontrar a compensação desejada: termino um último resumo para uma conferência a realizar em Fevereiro; entrego uma carta na direcção da faculdade para justificar a não comparência na vigilância de um exame da época de Setembro; comunico as leituras da água, gás e luz… Para trás fica mais um ano lectivo. Um ano lectivo marcante para mim sobretudo porque consegui concluir e entregar a minha tese de doutoramento – um trabalho que me tem ocupado mais directamente nos últimos cinco anos. Mas marcante também porque o atraso inconcebível que envolve a marcação de júri para a defesa da dita me tem feito sentir na pele a burocracia das instituições universitárias que vamos temos, algumas, e ainda mais a (quase total) arbitrariedade do poder das gerontocracias que as dirigem… Enfim, haverá que esperar mais. Mas, neste preciso momento, isso é o de menos: amanhã parto para a Roménia, a Dacia Felix dos romanos, sem rumo bem definido. Depois de escrever estas linhas, aí sim, aí vai começar o grande ritual: é preciso reunir tudo aquilo que fui separando, também mentalmente, nos últimos dias. Não esquecer a câmara digital e a parafernália de objectos que a acompanham, bateria suplente, carregador e cabos incluídos. (Ah! Quase me esquecia de dizer que, para os meus amigos, levo o sempre apreciado vinho de Figueira de Castelo Rodrigo!) Hei de apressar-me a enfiar umas roupas leves dentro da mochila e então sim, tiro férias deste país a cheirar a queimado, em seca extrema e à espera do anúncio providencial das candidaturas de Mário Soares e Cavaco Silva, Cavaco Silva e Mário Soares, à presidência da República. Parto para essa encruzilhada de impérios desfeitos em pó e sangue que tanto me fascina, para o centro de uma dessas fracturas políticas e culturais que reclamam a memória da Europa e dos europeus. Para um lugar onde há terriolas poeirentas de nomes moles a fazer lembrar doces de pastelaria antiga, como Babadag e Topolog. Para um lugar onde as mesquitas e os templos ortodoxos com cúpulas em forma de cebola marcam o horizonte e os ciganos ainda vivem em casas de palha na mais extrema pobreza. É a Dacia Felix dos romanos que se apresta para entrar na União Europeia e que faz lembrar o Portugal dos anos setenta, um país que tenta a custo ultrapassar as cicatrizes do mais feroz totalitarismo e da mais abominável engenharia social alguma vez experimentada num regime de tipo soviético. Não é de admirar que, para muitos na Roménia, Nicolae Ceaucescu não tenha desaparecido completamente depois de quinze anos passados sobre a sua morte. O sovietismo poderá não ter deixado uma herança para o futuro, nem instituições dignas de preservação, nem uma arquitectura inspiradora para o futuro; mas na Roménia, libertar a sociedade do espírito e dos vícios do totalitarismo mostrou-se mais difícil do que em qualquer outro país da Europa Central e de Leste. Parto para esse lugar que é hoje tido por muitos como a marca, o limes, a fronteira natural da Europa, onde o Ocidente acaba e o Oriente começa, pouco a pouco, onde outrora definhava o poder habsbúrgico e começava a balbúrdia balcânica dos turcos. Para um lugar de lugares míticos e de nomes esquecidos pela História do presente. No que resta do mês de Agosto vou como que regressar à História; vou andar pela Bucovina, pela Moldávia e pela Valáquia, pelo Banato, pela Transilvânia e pela Dobrúdia.

Por: Marcos Farias Ferreira

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