Arquivo

Nem uma lápide

Gostava de dizer aos sete mares, gritar entre o quinto dos infernos e o sétimo céu que se for da minha sorte mandar, se for do meu acaso atingir o poder, apagarei todas as santas, limparei todas as toponímias, arrancarei todas as lápides, não permitirei memórias beatificadas, não deixarei cultos de personalidades, nem viúvas arrastar seus falecidos, nem casas fantasmas. Morrerão todos os fantasmas, lavarei todas as paredes das inaugurações, os registos de autor e de nomes de pontes. Se me calhar em sorte mandar, as ruas são letras ou números. Se me deixarem decidir, as salas são por cores ou por pedras. A sala oval, a sala de mármore preto, o anfiteatro azul.

Nada terá nome de pessoa. Nada permitirá perpetuar as vaidades infinitas de presidentes de Câmara, de presidentes de Conselho, de ministros. As vossas obras serão legados físicos sem memória emocional. Nada ficará que refira as vossas decisões. Condenados ao esquecimento eterno talvez diminua a vaidade, cresça o senso, melhore a decisão. Não será mais a “tua obra”, o teu cantinho de eternidade na vila do teu avô. Este é um culto que transforma a bondade em coisa não retribuída. Cria a dádiva sem troca e permite que os sonhos mais ambiciosos se acalmem. Se eu mandar, será o “delete”, será o “undo” de milhares de nomes e de obras e beatificações. No meu mundo só há um

Deus e é de todos e uno, indivisível e incapaz de nos proteger se não for a Lei e a sua vigilância e a moral e a educação que nos permitiu controlar e levar longe. Há um Demónio que é pessoa, que é bárbaro, que é atrevido, ambicioso, selvagem, carregando a arbitrariedade, a falta de respeito, o egocentrismo, o egoísmo, o gozo do poder, a utilização indevida do poder e todo este demónio só é controlável pela Lei que um Deus único e sem rosto, sem vaidades, nos deixou burilar e aperfeiçoar sem restrição de credo, de cor, de inteligência, de sexo.

Por: Diogo Cabrita

Sobre o autor

Leave a Reply