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Natal de 2007

Bom ver o Natal chegar! De novo, o mesmo Natal. A mesma celebração. A mesma reunião de família e de amigos chegados. A mesma refeição, os mesmos doces. O mesmo olhar alargado sobre o mundo – um olhar mais insistente sobre os que passam mal durante o ano inteiro. É o permanente regressar das estações, do Inverno, um prenúncio da Primavera. Falo do tempo e do devir. Neste caso, de um devir que, tal como a Roda da Fortuna, parece instalado numa etérea máquina de controlar o tempo, fazendo-o regressar sempre ao mesmo. É um devir estável, previsível, acolhedor. É como um colo que nos acolhe e nos orienta e permite à consciência recolocar-se na Terra, no Mundo.

Momentânea e ilusória que é na sua reconfortante estabilidade, a sensação deste momento em breve se dilui. A mudança fez sempre parte da vida e cada geração a tem vivido à maneira do seu contexto histórico e social. Mas nós, os que vivemos grande parte do século XX e entrámos no XXI, temos tido seguramente das maiores convulsões culturais de todos os tempos. As mudanças são tantas e tão rápidas em todos os domínios do conhecimento que vivemos em constante sobressalto para não deixarmos escapar pelo menos as mais determinantes e seguidamente as incorporarmos na nossa visão do mundo.

Os nossos pontos de referência culturais são tão escorregadios que, por exemplo, as graças proferidas há uns vinte anos por Mário Viegas na comédia sobre D. João VI, no teatro A Barraca, perderiam hoje já muito do seu impacto inicial. Dizia ele, com uma graça que até os outros actores em palco mal podiam conter o riso, que ele, D. João VI, usava diamantes e rubis que imitavam muito bem o vidro… Numa senda semelhante mas dissonante, temos hoje filmes, como o recém chegado Beowulf, em que os actores de carne e osso são preteridos em favor das imagens que deles fazem os computadores. Assim, Angelina Jolie, no papel da mãe do monstro Grendel, é a imagem tridimensional feita por computador a partir da sua imagem directa e real. A preferência pela imitação, pelo fabricado em detrimento do natural deixou agora de ser conotada com a estupidez para ser assumida e positivamente ostentada como resultado da sofisticação tecnológica. A oscilação e a vulnerabilidade dos valores materiais desestabilizam os pontos de referência culturais e obrigam à adaptação constante dos pontos de vista e da crítica.

É por servirem de contrapeso a essas mudanças culturais e a todas as outras que varrem as nossas vidas que momentos como o Natal nos sabem bem. Funcionam como os portos de abrigo em viagens de alto-mar. Sabem-nos a um tempo de colo, maternal, a um retorno a um mundo biológico de confronto com o que em nós há de basicamente humano, terreno, comum. São momentos de paragem e de silêncio. E nós paramos como a água que na gruta subterrânea se mineraliza antes de brotar nas fontes. Neste Natal desejo que, em todos nós, essa água brote na direcção de um Mundo Melhor!

Por: Luísa Queiroz de Campos

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