“Aqui d’El-Rei! Que vem aí a TLEBS!”, grita-se nas ruas, com o pânico que antecedeu a Peste Negra ou a primeira recepção oficial de Maria Cavaco Silva.
Para quem não sabe, a TLEBS é uma espécie de térmita da língua para criancinhas. Significa Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário, mas há muito quem julgue que queira dizer Tara Loucura Estultícia Borrada Sandice. Parece que se mete debaixo da língua e impede as pessoas de falar normalmente, com substantivos e advérbios (principais, presumo) de modo ou com sujeito e predicado. De quem tenho mais pena são os advérbios de modo, tempo e lugar, que se tornaram agora simples “adjuntos”, mais ou menos o mesmo que durante muitos anos acontecia a Toni no Benfica depois de ganhar campeonatos ou chegar à final da Taça dos Campeões. Agora passaremos a usar nomes, que podem ser contáveis, não-humanos, epicenos ou simplesmente feios, advérbios conectivos ou modificadores preposicionais, mesmo que se continue a escrever “Aqui à costuletas” e a dizer “Hádem ver”. A língua portuguesa está com certeza mais rica com a possibilidade de usar núcleos e complexos verbais, como se o antigo revolucionário sintagma verbal se tivesse transformado numa empresa globalizada de conjugações verbais, dividida em núcleos e complexos.
Em algumas partes, a TLEBS é mais que uma proposta de referências meramente linguísticas e transforma-se num programa sociolinguístico. Por exemplo, o Estado português tende a tratar os cidadãos como uma forma sintáctica, a do “sujeito nulo subentendido”. Também muitas trapalhadas são feitas a partir de um “nome comum de dois” e facturas falsas. Num país que gosta pouco de “antonímias contraditórias”, o governo criou a ERC para agir como um “modificador do nome restritivo”. O povo não se importou e outros bateram palmas.
No ponto B3.2.5 há uma narrativa moral subjacente. As conjunções coordenativas são, por esta ordem, copulativas, adversativas, disjuntivas e conclusivas, numa descrição que se presume crítica do típico relacionamento amoroso hodierno, também este uma conjunção de corpos e almas. Primeiro, as cópulas (o sexo), depois as adversidades (as dificuldades), a seguir a disjunção (as zangas) e finalmente a conclusão (a separação).
O pânico nas ruas não me parece justificado. Mesmo que os miúdos não consigam aprender o que é realmente uma “subordinada adverbial concessiva”, a verdade é que esse nome já existia na lei de 1967 e ninguém o aprendeu por causa disso. Por essa altura, em Portugal tinham muito mais êxito as subordinadas proverbiais concessivas, também conhecidas nas casas da burguesia urbana e da aristocracia rural como criadas de servir ou sopeiras.
Este projecto tem também a grande vantagem de tornar as gerações mais novas ainda mais incompreensíveis aos adultos que delas se supunha que tomassem conta. Se já é complicado entender palavras sem vogais, como nas mensagens escritas, ou o vocabulário próprio da adolescência, entender a TLEBS está para além das capacidades cognitivas de um adulto. Acrescente-se a coerência pedagógica desta proposta com a sugestão ministerial de não marcar trabalhos para casa aos meninos, para não criar desigualdades devidas ao background familiar. Com a TLEBS, essas diferenças desaparecem. Nenhum aluno vai tirar vantagem do facto de em casa ter um ambiente familiar onde a TLEBS seja compreensível e nenhum adulto letrado vai poder ajudá-lo de forma desleal em comparação com outro aluno de famílias com pouco estudo. Espero que daqui a 20 anos se volte a mudar toda a gramática para que os jovens desse tempo possam também crescer em condições de igualdade. Se há telemóveis novos todos os anos, não há razões para não se mudar as classes morfológicas pelo menos uma vez a cada lustre.
Por: Nuno Amaral Jerónimo