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Não se joga xadrez com o inferno

A guerra ser sempre horrível não é desculpa. As notícias desta semana dão conta de bombardeamentos intencionais do regime de Bashar Al-Assad a um hospital geral e a clínicas médicas em Aleppo. Bairros residenciais foram severamente atingidos causando a morte a centenas de pessoas. Meia centena eram crianças. Uma cidade à beira do desastre humanitário alerta a Cruz Vermelha. Mas este não é um acontecimento isolado. Pelo contrário, é a repetição de um padrão de que, desde há muito, as organizações humanitárias têm dado conta. Uma desproporção enorme e que não imaginaríamos à partida. Apesar da violência extrema do Daesh e outros grupos rebeldes fortemente agressivos, quem realmente está a matar civis na Síria, em massa e indiscriminadamente, é o próprio regime. Entre 2011 e 2016 foram mortos mais de meio milhar de médicos, 90% deles por forças governamentais. No mesmo período foram torturados até à morte pelas mesmas forças perto de 12.500 civis. E as mesmas forças, nos mesmos fatídicos anos, foram responsáveis pela morte de perto de 20 mil mulheres, 20 mil crianças em mais de 180 mil vítimas civis. Em todos estes índices, as forças governamentais levam uma quota de inferno superior a 90%. Entretanto, metade da população do país está deslocada e são milhões os que saem do país, em desespero, mesmo que para o risco enorme de darem à costa mortos em alguma estância turística do Mediterrâneo europeu. Enorme, mas ainda assim menor do que ficar. A Síria é hoje um país tão massacrado como alguns dos países mais massacrados na 2ª Guerra Mundial.

Se recordarmos o que foram os ataques com gás Sarin no Verão de 2013, os alvos atingidos também eram bairros residenciais, de um subúrbio de Damasco, e as vítimas também foram civis e mesmo muitas crianças. Não se demonstrou por completo a responsabilidade governamental pela barbaridade de então. A Liga Árabe e a União Europeia pediram responsabilidades e afirmaram que uma linha vermelha havia sido ultrapassada. Chegou a pensar-se numa intervenção militar. Mas, depois, tivemos as atrocidades cruéis do Daesh e fomos, em grande medida, persuadidos a tolerar Assad para as enfrentrar. É um equívoco. Aliás, é o equívoco de sempre no Médio Oriente: jogar xadrez com o inferno, como a administração americana fez com talibãs, dando assim origem à Al-Qaida. Com Bashar Al-Assad no poder, a Síria só conhecerá a destruição e a violência sobre o seu próprio povo. E com a Síria nesse caos, o Daesh ou os que lhes sucederem sentir-se-ão “livres” para prosseguirem a loucura do extremismo.

Por: André Barata

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