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Não nos Tirem As Sardinhas

Não há nada de mais português do que as sardinhas assadas de Junho. Tirem-nos isso e pouco falta para nos transformarem em espanhóis, que estes já se renderam há muito ao nosso bacalhau e nós ao ibérico, às tapas e aos combustíveis mais baratos. O problema, segundo os pescadores, começa por aí. O elevado custo do gasóleo torna as campanhas proibitivamente caras. Dizem que não lhes compensa ir ao mar e, enquanto lhes não resolverem o problema, não há peixe, e por isso sardinhas, para ninguém. Logo agora, que começa o mês de Junho e temos o sol, finalmente, a aparecer…

Á primeira vista, a atitude de armadores e pescadores é mais um sintoma do salve-se-quem-puder em que redundou o egoísmo geral da nossa sociedade. Quando as coisas começam a correr mal cada um berra por si, indiferente ao interesse geral e à justiça das suas próprias reivindicações. Não sei se o preço dos combustíveis é um factor de produção tão essencial aos armadores que os actuais preços lhes não permitam ir ao mar. Admito que se tenham reduzido substancialmente as suas margens de lucro, mas isso é comum a todos os sectores de actividade em que esse custo é determinante. Razões de queixa terão todos, mais uns que outros e os pescadores nem serão sequer os mais prejudicados. Basta pensar, por exemplo, em todas as empresas que se dedicam aos transportes, de passageiros ou mercadorias.

Curioso é que esse problema, o do aumento do custo de um factor de produção, se apresente como tendo por única solução o da intervenção estatal. E esta, a satisfazer os interesses desses ou doutros, baixando por exemplo o imposto sobre os combustíveis, vai transferir o problema para outro lado: se esse imposto baixar, mantendo-se o actual nível de despesa, terão de subir outros. A diferença será que os não consumidores de combustíveis passarão a financiar os consumidores. O Pedro, que até detesta sardinhas e se desloca de bicicleta, vai ter de pagar para os pescadores irem à faina. É isto justo? Não é, nem deixa de ser, mas o Pedro vai organizar-se e começar a berrar quando lhe subirem o IRS, ou lhe fecharem as urgências na sua terra, ou qualquer outro serviço, sob pretexto da necessária diminuição de despesas que a diminuição das receitas fiscais vai implicar.

Não é só em Portugal. Os pescadores franceses e os motoristas ingleses também se queixam e também reclamam soluções de excepção. O que ninguém parece ver é que essas soluções, de excepção, se reclamam do egoísmo, são reivindicações de uns contra o interesse dos demais; é pedirem que lhes dêem antes a eles o que é também dos outros. É compreensível, mas não é bonito.

Entretanto, as más notícias não acabam aqui. Consta que a ASAE tem intenções de fiscalizar as sardinhadas dos santos populares. Fizemos mal a alguém?

Por: António Ferreira

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