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«Não é verdade que está tudo perdido em Portugal»

Mário Soares esteve na Guarda para falar da República e criticou funcionamento da justiça

Mário Soares regressou na última segunda-feira à Guarda, a cidade onde assistiu pela «primeira vez» a um comício político. O antigo Presidente da República proferiu uma conferência sobre o centenário da República a convite do Governo Civil da Guarda e considerou que o Programa de Estabilidade e Crescimento era «necessário» para que «o Banco Central Europeu pudesse dizer muito bem», porque «eles só querem saber se o défice sobe ou não sobe».

À margem da iniciativa, Mário Soares sustentou que o PEC «foi o que podia ser» e que ainda «está para ser discutido, visto e revisto». O documento «pode não ser tão satisfatório como nós gostaríamos», mas «não é uma afronta» aos pobres e «vai ser melhorado», sublinhou, afirmando que «em política, às vezes uma coisa é o querer ser e outra é o não querer ser». Outro dos temas abordados foi o estado actual da justiça portuguesa, com o antigo governante a revelar que «há muitas coisas» de que não tem «gostado» naquele âmbito: «Há uma coisa que a mim me custa muito. É que haja pessoas que se sabe, até porque foram muito ostensivas na sua riqueza, que mexeram em patrimónios que não lhes pertenciam, que fizeram roubalheiras nos bancos, que atiraram bancos quase para a falência e que essa gente fique sem que a justiça se mexa», lamentou. Em oposição, considerou que «quando um pobre de um desgraçado tem qualquer coisa numa rua e rouba um pão porque tem fome, caem-lhe em cima. Isso não é possível». Durante a sua intervenção, sustentou que «a justiça não funciona bem», apesar de ser soberana «e absolutamente independente dos governos», sublinhando não saber se os sindicatos dos magistrados «têm sido boa coisa» em virtude de, por vezes, se meterem «a opinar sobre política e a dar lições de política aos políticos». Neste sentido, afirmou ainda não compreender «como é que eles têm a desfaçatez de o fazer porque a política é uma coisa e a justiça é outra e devem ser separadas, como os negócios e a política».

Perante a vasta e atenta plateia, o antigo chefe de Estado defendeu que, tal como diz o presidente dos EUA, «é preciso mudar de paradigma» e que «o capitalismo tem que deixar de ser o capitalismo de casino, como foi nestes anos passados, o que levou a esta crise». No entanto, Mário Soares rejeitou a ideia de que, em Portugal, se considere «tudo perdido ou que toda a gente está muito mal». «Não é verdade. Basta passear-se por Portugal, pelas grandes cidades, pelos campos, pelas aldeias para se perceber que a diferença destes 35 anos em relação ao que era no tempo da ditadura não tem comparação nenhuma». Frisou também que «passámos a ser um país do primeiro mundo quando entrámos na CEE» e que nessa altura «passaram-nos a olhar de outra maneira».

Ricardo Cordeiro Abílio Curto abraçou o antigo Presidente da República na sua chegada à Guarda

Comentários dos nossos leitores
David Pinto bestdavid1@hotmail.com
Comentário:
Comparar o país actual com o que era há 35 anos, insinuando que a revolução de 74 trouxe tudo do bom e do melhor, é óbvio que existem diferenças, na Inglaterra, na França e nos EUA também devem existir diferença. Contextualizem Portugal no tempo e no espaço, vejam as estatísticas, informem-se e verão que nem tudo o que estes políticos nos dizem é verdade. O Estado Novo nas suas práticas actuou como actuou porque a 1ª República foi um desastre (à imagem do que está a ser esta) e como em todas as organizações em crise é necessário rigor e um certo autoritarismo para avançar o país, e é claro que para as elites é mau, pois exige sacrificio. A revolução de 74 trouxe muitos avanços(influenciada pelos fundos da UE e não por fundos portugueses exclusivamente), mas muito retrocesso também… Basta analisar a estado do país neste momento (incompetência nos altos cargos públicos, tachos, clientelismo, partidarismo para fins próprios e não para fins públicos…).
 

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        Portugal»

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