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Multidão de fiéis despediu-se de D. António

Após 26 anos na Guarda, Bispo renunciou às suas funções por motivos de saúde

Foram muitos os fiéis, religiosos, leigos e sacerdotes que encheram a Sé Catedral da Guarda, na passada terça-feira, para homenagearem e despedirem-se de D. António dos Santos. Depois de 26 anos à frente da diocese, o Bispo da Guarda renunciou as suas funções por motivos de saúde, sucedendo-lhe D. Manuel da Rocha Felício, até agora Bispo Coadjutor. No último acto oficial do Bispo cessante, D. António dos Santos mostrou-se visivelmente emocionado, bem como o seu sucessor, que até deixou escapar algumas lágrimas.

«Há muita emoção no meu coração», confessou D. António dos Santos, logo no início da homilia, dirigindo-se às centenas de fiéis e sacerdotes de toda a diocese que quiseram homenageá-lo pelos 26 anos do seu bispado na Guarda. «Ele foi e será sempre o nosso Bispo», atira uma devota comovida. «A maior homenagem que recebi desta diocese foi prestada ao longo destes anos», refere o prelado, perante o olhar atento de centenas de populares que se acotovelaram para o ver de perto e confirmar que o D. António estava bem de saúde. Contudo, o momento foi também de despedida, já que o prelado anunciou a sua renúncia às funções. A sucessão não causou grande surpresa, uma vez que D. António dos Santos estava afastado da diocese desde Junho de 2004 por motivos de doença, para além de estar quase a atingir o limite de idade, 75 anos. Durante o seu discurso, o Bispo cessante justificou a sua ausência: «Tenho estado em casa de família, na minha terra natal (diocese de Aveiro) para mais fácil acompanhamento do pessoal médico». Entretanto, depois de muita oração e reflexão apresentou em conformidade com o Código de Direito Canónico, o pedido de dispensa do encargo pastoral da Diocese da Guarda, que foi aceite pelo Papa Bento XVI, na passada quinta-feira. Por isso, D. Manuel da Rocha Felício, que iniciou o ministério pastoral como Bispo Coadjutor a 16 de Janeiro deste ano, será o seu sucessor. Durante a mensagem que dirigiu aos fiéis e sacerdotes, D. António deixou um apelo a todos: «Colaborai com o novo Bispo», a quem prestou também a sua homenagem «pela entrega total e incansável ao ministério pastoral», deixando D. Manuel muito comovido. No final, o homenageado exclamou: «Sigamos em frente, com esperança», um apelo longamente aplaudido por todos.

Despedida calorosa

Na hora da despedida, D. António diz que parte «com o coração cheio de gratidão, mas também levo saudades». No final da cerimónia, todos quiseram despedir-se do Bispo, que foi rodeado por uma multidão desenfreada de fiéis. Uns beijaram-no, outros agradeceram-lhe ou quiseram somente presenteá-lo com flores ou outras ofertas. Após a sessão de cumprimentos, em declarações a “O Interior”, o prelado adiantou que ainda não sabe o que vai fazer, pois «o futuro a Deus pertence», mas já tem uma certeza: vai repartir o seu tempo entre as dioceses da Guarda e de Aveiro. «Continuarei a trabalhar como Bispo, mas agora de outra maneira», refere. Dos muitos anos que viveu à frente da diocese, D. António só guarda boas recordações, mas os momentos mais especiais aconteceram «sempre que ordenei um novo sacerdote», disse. A homenagem contou com a presença especial de D. José dos Santos Garcia, bispo emérito de Porto Amélia, em Moçambique, bem como do Padre Feytor Pinto. No final da cerimónia realizou-se um jantar com todo o clero da diocese no Seminário da Guarda.

Um bispo discreto

D. António dos Santos, natural de Quintã (Vagos), foi nomeado Bispo da Guarda a 6 de Dezembro de 1979, e entrou na Diocese a 2 de Fevereiro de 1980. Nos quase vinte e seis anos que esteve à frente da Diocese da Guarda ordenou várias dezenas de sacerdotes, promoveu centenas de visitas pastorais, impulsionou o processo de beatificação de D. João de Oliveira Matos e deixou obras de referência, nomeadamente, o Centro Apostólico, o Carmelo da Santíssima Trindade e a recuperação dos Seminários do Fundão e da Guarda. Um trabalho reconhecido em 2004 pela Câmara da Guarda, que lhe atribuiu a medalha de ouro do município, no âmbito dos 805 anos da cidade. Na altura, a autarquia justificou a distinção «pela obra e testemunhos à frente da Diocese». D. António dos Santos veio para a Guarda substituir D.Policarpo. Começou por ser um bispo discreto e austero e só nos últimos anos apareceu publicamente a pronunciar-se sobre as questões que mais preocupam a sociedade civil. O Bispo cessante é tido como uma pessoa «humilde, amiga e um homem de diálogo», ficando ainda associado ao fim de uma longa crise de formação de novos padres, já que, entre 1968 e 79, só se tinha ordenado um único sacerdote na diocese.

Uma das suas últimas intervenções públicas aconteceu em Novembro de 2003 e não passou despercebida. Durante uma visita pastoral à paróquia de Fernão Joanes, D. António apelou à união dos guardenses por projectos que beneficiem o «bem comum» e manifestou a sua preocupação sobre temas como o novo hospital, o impasse da Gartêxtil [falida entretanto], a crise económica ou o caso Casa Pia. E revelou ter assumido algum protagonismo, enquanto «força moral e do Evangelho», para tentar resolver certos problemas. «Como não sou político nem tenho forças governamentais, faço o que está ao alcance das minhas mãos, embora disso não faça constar publicamente. Por vezes, consegue-se alguma coisa, outras não», sublinhou na altura.

Patrícia Correia

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