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Multem-se Uns Aos Outros

Estamos em Novembro de 2011, numa qualquer parvónia do interior. Se percorrermos a avenida principal de uma ponta à outra apenas encontraremos lojas e empresas fechadas. Nas portas adivinham-se anúncios de penhoras e falências. Vê-se muito pouca gente na rua, e a maioria são velhos.

Este último ano foi devastador. Empresas que viviam já no fio da navalha viram a actividade diminuir com a crise e passaram a ter cada vez mais dificuldades em cobrar as facturas vencidas. Ainda por cima, o orçamento de estado para 2011 tinha prevista, como fundamental fonte de receitas, as provenientes de multas e coimas. Era uma maneira de cobrar mais às empresas e particulares sem aumentar os impostos. Para isso, saíram da inesgotável legislorreia nacional dezenas de diplomas legislativos impondo obrigações cada vez mais absurdas e penas cada vez mais pesadas para quem as não cumprisse – e tudo com expressas orientações ministeriais para a sua imediata “e implacável” cobrança. Ao mesmo tempo que se complicavam os procedimentos, destinados a desencorajar o exercío do contraditório, reduziram-se prazos de impugnação e possibilidades de recurso.

E foi assim que nessa nossa infeliz parvónia do interior foram fechando todas as empresas até restar apenas uma, no final da avenida, e mesmo esta foi hoje declarada insolvente por dívidas fiscais e diversas coimas não pagas no (curto) prazo concedido.

O patrão não se mostra muito procupado, que tem as coisas “orientadas” no concurso aberto para fiscal de obras na câmara municipal. Diz-se até que parte do dinheiro disponível para ordenados serviu para uma “pequena ajuda”.

Foi também assim que numa tarde fria de Novembro de 2011 se reuniram em segredo os responsáveis pelos vários serviços de inspecção da nossa pequena parvónia. O Comandante da GNR, com o posto mais alto, deu início aos trabalhos: “como sabem, o encerramento da última empresa da cidade torna mais difícil cumprirmos os objectivos fixados. Para isso ser possível vamos ter de começar a trabalhar em, digamos assim, circuito fechado.”

E foi finalmente assim que, no dia seguinte, a GNR foi fiscalizar os pneus da ACT, a ACT o cumprimento das regras de higiene e segurança nas escolas do concelho, a ASAE as cantinas da GNR e da Segurança Social, as brigadas do Ambiente as oficinas da Câmara e as Finanças o IRS de toda a gente.

Por: António Ferreira

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