É com apreensão que empresários, jovens, comerciantes e autarcas olham o futuro na Beira Interior depois do acordo entre o Governo e a “troika” – Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu. Com um pedido de ajuda externa de 75 mil milhões de euros já aprovado e depois de divulgadas as “consequências” dessa ajuda, o presidente da Câmara de Trancoso não hesita em assegurar que «muitos projetos das autarquias vão ficar suspensos e não vão ter o financiamento assegurado».
Júlio Sarmento prevê um futuro em que as autarquias não terão outra alternativa senão «selecionar» as obras que realmente podem fazer, especialmente depois de ter ficado claro que o acordo com as instâncias europeias pressupõe a redução da despesa pública. «O país tem de compreender que não pode investir sem saber se há dinheiro para pagar esse investimento», defende. Nesse sentido, é categórico em afirmar que as Câmaras só poderão avançar com projetos que tenham «financiamento externo», nomeadamente comunitário. Na cidade mais alta, o presidente da autarquia entende que «o acordo é necessário» e está ciente da ginástica financeira que os municípios terão de empreender: «A partir de agora será necessário racionalizar tudo, meios financeiros e humanos, mas deve-se começar pelo Estado», defende Joaquim Valente, acrescentando que vai ser necessário «ajustar a realidade às dinâmicas financeiras» atuais.
«Pode ser benéfico para as empresas numa primeira fase»
Do lado das empresas, o cenário poderá ser outro, pelo menos a curto prazo. Para o vice-presidente do NERGA (Associação Empresarial da Região da Guarda), a entrada do FMI em Portugal até poderá ser «benéfica» numa primeira fase. «A ajuda externa pode criar alguma liquidez, principalmente no setor público e, nesse sentido, contribuir para amenizar um pouco as dívidas que existem para com várias empresas», explica Jorge Leão. O empresário entende que as medidas eram necessárias porque «todos estes anos houve muita gente a fazer alavancagem de dinheiro e agora tem de se colmatar isso», considera. Apesar de alguns aspetos positivos, admite que a contenção orçamental e uma provável introdução de portagens nas SCUT da Beira Interior poderão ser prejudiciais para algumas empresas.
Do lado dos comerciantes, não reina o otimismo. Sónia Antunes, proprietária de um restaurante na estação da Guarda, viu-se obrigada a aumentar os preços das refeições que serve diariamente. «Custou-me muito, mas se não o fizesse não iria sobreviver porque todos os alimentos subiram de preço», lamenta. A crise “entra” todos os dias no seu estabelecimento e Sónia nota que «as pessoas começam a escolher pratos mais baratos ou até a deixar de fazer refeições fora porque têm de economizar». Ao pensar na realidade da região, considera que «muitas pessoas vão voltar à agricultura para poderem comer».
«Pessoas do interior estão deprimidas»
Perante um interior onde as oportunidades nem sempre surgem, muitos jovens arriscam sair. Mas também há quem queira sempre permanecer. Cristóvão Matos, licenciado em Design Multimédia pela UBI, desenvolve projetos na sua área sem ter de sair da Beira Interior. O jovem acredita que «são as pessoas que aqui vivem que têm ignorado o potencial da região». A crise não é a palavra que mais utiliza para justificar a atual conjuntura regional. Na sua opinião, há um problema de descrença: «Sinto que as pessoas daqui estão deprimidas, não têm orgulho na sua região e isso turva-lhes a ação para potenciar aquilo que ela oferece», refere. Nesse seguimento, defende um “rejuvenescimento” da classe trabalhadora no interior. «Esta zona precisa de inovação, ambição e criatividade que só o “sangue novo” pode trazer. São necessárias novas perspetivas e novos habitats profissionais», sugere.
Catarina Pinto