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Morte

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Como nos relacionamos com a morte? Uns choram muito ao seu anúncio, outros preparam-se em silêncio. Há os que se expõem em instituições públicas e outros que desatam a procurar médicos. A morte é uma viagem donde não se regressa e, por isso, não lhe temos pressa. Mas há quem se atire nela, quem se vicie na sua fronteira. A morte é como um perfume por entre nós e agarra-se a uns e a outros não. Uns fedem de morte e outros transpiram saúde. É assim que a vida se faz, carregando um interruptor que a apaga. Mas muitos de nós esquecemos esta barreira e entrámos na vida como se não tivesse fim. Assim a morte foi banida da existência de alguns que na sua presença se surpreendem. A surpresa pode despertar reações violentas, outras deletérias, outras destemperadas. É a morte a chegar. Os que envelhecem vão reparando nos lugares vazios, nos que faltam à reunião do liceu. Entristecem nos primeiros cem e resistem nos últimos trinta. A solidão é uma roupa de muitas mortes. A histeria é uma reação absurda de quem não se preparou. E no meio destas múltiplas formas de a encarar vem o medo da dor, o medo do maior abandono – ficar sem ninguém num vão de escada. A morte preenche a cabeça de muita gente que a digladia com fervor. Recentemente dois amigos entraram neste percurso frenético de procurar a solução do que era insolúvel. Usaram todas as armas para contrariar a estúpida da estatística. A estatística diz que não se safam brevemente. Mas eles lutam e com eles as instituições. É uma energia brutal que despendem eles e sentimentos extremos que nascem nos outros. Não sei como se resiste a isto, mas conheço quem o tenha feito com muita dignidade. Um dia acerta em mim e eu gostava que todos os livros, filmes, músicas que ouvi e gostei me dessem o saber de a receber. Preparar-lhe a mesa, servir-lhe um risoto com mozarella, beber uma cervejinha, ou muitas, até que o tempero ideal me deixe ir sem suspiros. Tenho tanta pena destes dois rapazes que lutam afincadamente.

Por: Diogo Cabrita

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