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Morreu o diabo!

Editorial

1. O ensaísta e filósofo Eduardo Lourenço ensinou-nos que Portugal e Espanha têm um «destino comum» e sempre lutou por uma «compreensão maior» entre as duas culturas. Mas o iberismo que Eduardo Lourenço nos ensinou é muitas vezes desvirtuado pelos nacionalismos e pela falta de respeito pela vizinhança. É assim, mais uma vez, agora em Retortillo.

A construção de um complexo mineiro de urânio, a céu aberto, junto àquela povoação espanhola, a norte de Ciudad Rodrigo, e a cerca de 40 quilómetros de Almeida, assusta “nuestros hermanos” e deve inquietar os portugueses. Depois de 10 anos de contestação, por parte da população, o governo espanhol outorgou a exploração de urânio em 2014 a uma empresa australiana. Desde então os protestos aumentaram enquanto as máquinas rompem a harmonia da paisagem, matam a fauna e a flora e debelam a diversidade ambiental duma zona agrícola rica e termal por excelência. As terras de Jenara (Boada e Villavieja de Yeltes) sofrem já os prejuízos da pecuária e a fuga dos utentes das termas, mas as consequências ambientais serão maiores, nomeadamente pela desqualificação do solo e o envenenamento das águas. Num tempo em que a seca volta a pairar no horizonte, em que os rios levam pouca água (o rio Yeltes, que passa por Retortillo, é afluente do rio Huebra, que por sua vez desagua no Douro perto de Barca d’Alva), a radioatividade pode ser mortal para o ambiente e prejudicial para a saúde de toda a região castelhana e raia portuguesa. Para que Almaraz não se repita, é hora dos portugueses se juntarem aos movimentos espanhóis de «não à mina, sim à vida»!

2. Para haver um bom governo é indispensável que haja uma forte oposição. Ora, os bons resultados, em especial na economia (crescimento do PIB de 2,7%, em 2017, acima do previsto e como não se via desde os tempos de Guterres), permitem a António Costa governar sem problemas e subir nas sondagens.

A “Geringonça” tem funcionado, com o Bloco e o PCP a suportarem o governo socialista nas principais decisões, com conquistas para as suas “clientelas” eleitorais (e, por isso, não há greves e quando há, incrivelmente, são protagonizadas pelas classes trabalhadoras mais privilegiadas, como os médicos, os professores, os enfermeiros ou os magistrados – mais uma originalidade portuguesa!), mas também porque o PSD não tem existido em termos de oposição. Passos Coelho ganhou as últimas legislativas, mas depois ficou à espera do “diabo” e o “diabo” não chegou, pelo contrário, capitulou e deixou o PSD ficar “amarrado” na nostalgia governativa, de que Portas soube sair rapidamente, dando o lugar a Assunção Cristas na renovação do discurso à direita. Agora, com nova liderança, o PSD tem o dever de liderar a oposição e oferecer uma alternativa – começa mal, com divergências ruidosas com o líder parlamentar Hugo Soares e a polémica escolha de Elina Fraga, mas é no terreno movediço e volúvel que o novo líder gosta de se mexer (!). Como disse Fernando Montenegro, Rui Rio andou 10 anos a tentar chegar ao poder, conseguiu-o, aguardemos para ver o que faz com ele (começou bem ao dialogar com António Costa) e se será um líder de transição ou de duração – a oposição interna está assegurada: o novo PSD é a antítese, quase a negação, do anterior PSD.

3. O discurso totalitário de Bruno de Carvalho deve preocupar-nos a todos. Aquilo que para alguns é apenas um assunto do foro sportinguista ou um epifenómeno da bola é um ataque à liberdade e um exemplo inaceitável de populismo que tem de ser denunciado por todos os que defendem a democracia e a liberdade de expressão. O presidente do Sporting comporta-se como um ditador, amoral e sem escrúpulos, que quer controlar não apenas o clube e a imprensa, mas até as liberdades individuais dos sportinguistas – não apenas o que fazemos em público, mas até em privado (nota pessoal: sou adepto do Sporting Club de Portugal).

Luis Baptista-Martins

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