“Mas quando nos julgarem bem seguros,
cercados de bastões e fortalezas,
hão-de ruir em estrondo os altos muros
e chegará o dia das surpresas.”
José Saramago
Saramago, s.m., nome vulgar de umas ervas daninhas, comestíveis, anuais ou bienais, da família das Crucíferas, frequentes nos terrenos cultivados de Portugal.
Nascido da Azinhaga para um iberismo convicto, José Saramago é, queira-se ou não, uma figura marcante do Portugal contemporâneo. Afirmo-o sem rebuço e com o distanciamento que me é dado por nem sequer fazer parte dos meus autores preferidos. Apesar disso, reconheço que foi em vida um homem de valores, de ideais, de antes quebrar que torcer.
Depois, do homem nasceu o escritor que é incontornável no panorama literário nacional. E esta é uma verdade inequívoca e reconhecida a nível mundial.
Um escritor cujo maior pecado foi o de se exilar por mor da tacanhez de uns quantos que se deitaram a ele como gato a bofe quando mexeu com um certo “provincianismo religioso” instituído na tão igualitária, justa, inclusiva, sociedade ocidental. Fora ele um escriba de pacotilha, um empregador de frases feitas, um autor consensual (pelo menos para o consenso de alguns) e outro galo cantaria. Mas não. Não amainou a vontade de revoltear as águas, e as consciências…
E assim, quando se soube da sua morte, logo o país, pequeno (não só em termos geográficos) se alvoroçou. Que se calara uma das vozes mais controversas do Portugal contemporâneo, diziam uns. Que, enfim, se poderia agora viver em bonança, sem evangelhos crucificados, nem cains à solta, atiravam outros. Pelo meio, a abrilhantar a coisa, a ausência física do mais alto magistrado da Nação. Que estava de férias em família, informou…
O que não percebo é se, às exéquias fúnebres do único Nobel da Literatura que nos calhou em sorte (por muito que, na minha modesta opinião, Aquilino e Torga o merecessem mais), faltou o senhor Presidente da República ou o senhor ex-Primeiro Ministro…
Como se não bastasse, um arrufo monárquico do eterno candidato ao trono de um Portugal que não existe, insiste em desenterrar aljubarrotas e quejandos, e vem apelidar o homem de traidor…
Mais, lá do alto da sua omnisciência, decerto esquecido da história que não quer contar, vem o Vaticano, no espelho de virgem púdica em que se revê, perorar contra este anti-Cristo…
Só por isto já uma vida teria sentido. Só por não ser alvo de consensos hipócritas já teria valido a pena…
De lá, de onde está, Saramago bem pode estar a rir-se destes e dos outros que, no dia da sua morte não se coibiram de gritar que a luta continua. Também esses devem perceber que o escritor não é património da esquerda, de nenhuma esquerda…
E, pelo meio do sorriso rasgado, deve haver de quando em vez um certo esgar por já não poder ser ele a escrever, e a descrever, esse dia e o sentido que, afinal, a sua vida fizera…
De qualquer forma, voltando ao início, bem pode o dicionário afirmar que o saramago é erva daninha nos campos cultivados deste país. Também diz que é comestível e, como tal, serve para matar a fome a muitos que, só assim, podem, nos tempos que correm, ser Levantados do Chão…
Por: Norberto Gonçalves