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Mito urbano

Embalados na campanha eleitoral de que há alguns meses decretaram o início, os responsáveis (a palavra tem aqui um sentido estrito) governamentais continuam a repetir os estribilhos que os conselheiros de propaganda definiram: o país está melhor, os cofres estão cheios, salvámos o país da bancarrota.

Considerando os milhares de jovens técnicos, licenciados, mestrados e doutorados que nos últimos anos têm abandonado as pátrias paragens para no estrangeiro utilizarem a formação que aqui adquiriram e que, de outra forma, enxameariam, sem ocupação, as praças e cafés, o país deve estar melhor. É sempre melhor para o prestígio nacional ter técnicos qualificados a trabalhar no estrangeiro que mantê-los, madraços, no país.

Verificando o número crescente de trabalhadores desempregados que se vêm forçados a emigrar, ultrapassando já os números dos anos 60, e que, de outro modo, teriam ficado a engrossar os números do desemprego nacional e a conta do subsídio de desemprego, o país deve estar melhor. No estrangeiro estão melhor, ganham mais, e não andam por aqui ocupados em manifestações contra o governo que tão generosamente os tem tratado.

Os cofres também devem estar cheios.

Só assim se compreenderá a recente doação da TAP a um consórcio que se prepara para realizar uma operação de capitalização vendendo bens da própria empresa que acabam de lhe oferecer. O excesso de liquidez leva o governo a tomar estas liberalidades.

Aliás, o brutal aumento da dívida pública ao longo dos últimos quatro anos deve ter tido como único objetivo o mero encher de cofres, pois não há notícia de que se tenha refletido em crescimento económico ou melhoria do bem estar social. Pelo contrário, a diminuição, às vezes quase a eliminação, das garantias do estado social, é patente na saúde, na educação e na proteção social. Os jornais noticiam que um em cada quatro portugueses está em risco de pobreza, o que deverá significar a verdade dos cofres cheios, pois o dinheiro que sai dos bolsos dos cidadãos para algum lado irá – para os cofres do governo, está visto.

No entanto, apesar da plenitude dos cofres, a ministra das finanças anunciou, certamente por engano, a necessidade de efetuar mais uns cortes nas pensões. Ter os cofres cheios parece uma boa medida, mas tê-los a abarrotar será prudente?

Aceitando as governamentais asserções de que o país está melhor e de cofres cheios, não consigo, no entanto, compreender porque afirma ter tirado o país da bancarrota. Mas Portugal esteve na bancarrota? Não me apercebi. Lembro-me, isso sim, de em 2011, a senhora Merkel, essa sacrossanta personagem para a maioria governamental, ter lamentado “que não tenha havido uma maioria no Parlamento (português) para apoiar o novo pacote de medidas (PEC IV)”. Parece que a bancarrota nunca esteve em causa. Até me parece que as medidas constantes do PEC IV eram suficientes para reduzir o défice das contas nacionais e evitar este longo folhetim da troika. Pelo menos era isso que afirmava a senhora Merkel na altura. Esta história do perigo da bancarrota, estou convencido, não passa de um mito urbano.

Por: Carlos Camejo Martins

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