Arquivo

Ministério da Educação: não saber educar por não saber aprender

Para quem, como alguns de nós, tem consciência de que a maioria dos alunos apresenta dificuldades na interpretação e escrita de textos e mantém o âmbito das suas leituras reduzido às parangonas dos sites da Internet ou a sites portugueses e brasileiros de fraca qualidade, a ideia de que a grande preocupação actual do Ministério da Educação possa ser a de fazer ou não uma radical mudança na terminologia da gramática portuguesa é facilmente equacionada com os sintomas de um problema de visão ao longe e ao perto. É um problema de visão ao longe porque não consegue vislumbrar a necessidade de dar prioridade ao estabelecimento de uma estratégia eficaz de aprendizagem da língua materna que permita adquirir competência em interpretação, leitura, escrita e fala. É um problema de visão ao perto porque não consegue destrinçar entre um objectivo a atingir e um instrumento de trabalho que permite atingir esse objectivo. Esse problema arrasta-se há anos, ao longo de vários governos. Tem afectado ministros e, necessariamente também, a equipa que os assessoria, e dele resulta a mediocridade dos resultados obtidos.

Como é de outro modo possível entender que, perante o panorama de desoladora incompetência da grande maioria dos alunos, o Ministério se detenha e dedique tempo à possibilidade de fazer ou não uma revolução “original” na terminologia linguística do português? Para quem não se tenha apercebido da questão, os alunos estão/ estiveram na iminência de ter de decorar a Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário (TLEBS), para, por exemplo, poder definir morfologicamente qualquer palavra ou classificar sintacticamente qualquer oração. Não se trata de uma questão de fazer pequenos ajustes correspondentes à evolução da língua, nem de corrigir imperfeições na terminologia em vigor, mas de uma alteração extensiva cujo resultado prático será/ seria o de vir a complicar exponencialmente e inutilmente a aprendizagem da gramática. Para já não falar na “falta de qualidade científica da TLEBS” explicada ao Expresso, em Dezembro passado, pelo catedrático de Linguística, João Andrade Peres.

Para se fazer uma pequeníssima ideia, a palavra “cão”, que tem sido até agora, pacificamente, um substantivo comum, masculino e singular, passará/ passaria a definir-se como nome masculino, não humano, animado e contável. E este é apenas um exemplo menor de muitas páginas de alterações produzidas por uma máquina complicadora supostamente científica.

Quem dera que todos os alunos soubessem diferenciar morfologicamente um mero pronome de um adjectivo ou, sintacticamente, um predicado de um sujeito e uma oração causal de uma consecutiva! Não podemos esquecer que a gramática é, para 99,99% das pessoas, apenas um utensílio e, como tal, o seu conhecimento, nas escolas de ensino básico e secundário, deve ser rigoroso mas também simples, económico e eficiente.

A ideia de implementar uma terminologia complexa é como a de fazer um martelo cheio de cornucópias e ondulações que demonstrem a natureza do movimento de vai e vem, esquecendo que o objectivo da sua construção é produzir um utensílio que faça penetrar facilmente os pregos e que, por conseguinte, a explicitação da física do movimento na estrutura do próprio objecto constitui um obstáculo ao seu bom funcionamento.

Que os linguistas prossigam as suas pesquisas científicas sobre a língua é seu dever. Mas há que ter em mente que o mundo da teoria linguística tem objectivos divergentes dos objectivos das escolas onde se privilegiam as necessidades de valorização cultural e científica conducentes a uma boa prática por parte dos alunos. O ensino da gramática deve, pois, ser simples, económico e eficiente – linhas orientadoras actuais em países como a França e o Reino Unido.

O problema de visão manifestado pelo Ministério da Educação impede-o de ver para o quadro quer quando se senta atrás para ver ao longe, quer quando se senta à frente para ver ao perto. Nesse quadro estão os sistemas educativos da restante Europa, inclusivamente os dos ex-países de leste. Mas… o Ministério da Educação não vê e por isso não consegue aprender. Daí que não saiba educar.

Por: Luísa Queiroz de Campos

Sobre o autor

Leave a Reply