Arquivo

Messidor

1. Os risos abafados e os gritinhos, as chitas e os penteados, parecem os elementos perfeitos para descrever o baile das debutantes mais célebre da história do cinema. Aquele onde Scarlett O’Hara confessa despudoradamente o seu amor a Leslie Howard e onde conhece o seu sedutor fatal, Rhett Butler. Já perceberam. Refiro-me a “E tudo o Vento Levou”. Só que estes transportes virginais, esta inocência provocadora, estes adornos da fantasia nada têm a ver com uma mítica terra de cavalheiros e algodão, nos confins da Geórgia novecentista. Em boa verdade, o cenário é outro. E a música também. Viajemos então até ao Brasil, hospedeiro do Campeonato Mundial de Futebol. Ora, entre as equipas presentes está uma que se distingue, não pela qualidade, organização, planeamento, ou, sobretudo, resultados. Não! A sua originalidade salta à vista: displicência arrogante e um desempenho pouco mais do que medíocre. Refiro-me à turma das debutantes a que alguns chamam “Selecção Nacional” lusa! Mas comecemos pelo princípio. A turma é um grupinho muito selecto. Onde brilha, no alto, a miss universo Ronalda, acolitada pelas suas damas de honor. Em segundo plano, aparece o costureiro Bento a apaparicar as meninas. Mais ao fundo, existem uns figurantes de que não me vou ocupar. Os mais requisitados são, obviamente, os massagistas e cabeleireiros. Depois, a preparação para a festa foi descontraída e suave qb. Nada de pressas e de planeamento para seguir à risca. “Bah, isso é para os tótós dos alemães, ou dos americanos!”… As acompanhantes da prima donna fizeram então o que lhes competia: passearam-se pela Europa e pelos States; visitaram as lojas; passaram horas a bronzear as peles, nos solários dos hotéis; mostraram as suas toiletes à populaça; aligeiraram os decotes; embasbacaram os fãs com os seus penteados e barbas; puseram em sentido os repórteres com o seu iridiscente optimismo; alimentaram ad nauseum a telenovela da lesão da Ronalda… Por fim, lá aterraram no centro de estágios! Quando? Pois bem, dois dias antes do começo do torneio! E logo no “temperado” Sul, longe da tórrida Baía, ou da Amazónia! Sucede que as alemãs já lá estavam há uma semana. Trabalhando com afinco. “Os Alemães, essas Valquírias tontas, hão-de levar poucas! As americanas nem se fala”, pensavam as meninas, o Bento costureiro, a restante comitiva e os dignitários borlistas… E pronto, lá chegou o dia do primeiro jogo. Aquilo foi uma animação! Às tantas, embeiçada por causa de um penalti a favor das germanas, a Pepa dá um encosto com o cotovelo a uma delas, numa vigorosa demonstração de Weltanschauung. Seguiu-se um singular tête-à-tête, porventura para testar a genuinidade dos revestimentos capilarer. Por sua vez, a Joana valenciana rodopiava, beliscava as adversárias, ensaiava olhares matadores, mas que não enganavam ninguém… Entretanto, a Bruna distribuía fruta pelo campo, talvez lembrando-se que estava no país que celebrizou Carmen Miranda. Também chutava muito para a frente e, às vezes, para os lados. Quanto à Miquelina, essa mostrava o seu novo penteado. De tempos a tempos, chutava a bola, ou tentava desmotivar uma adversária, graças ao conhecer o seu novo gel fixante… A Joana algarvia não parou de dançar o corridinho, o raio da catraia! Por vezes rodopiava tanto que perdia a noção do espaço, provocando risadas sonoras nas germanas. Uma táctica rebuscada, é justo dizer, mas que não resultou. A barbuda era vista a espaços, como uma assombração. Ainda se pensou ser a arma secreta do Bento. Criada para incutir nas valquírias a ideia de se tratar de uma mulher-bomba, uma jihadista da última geração… A Nina ensaiava uns arranques e até fez um remate que assustou as godas. E nada mais a assinalar. À Huguelina coube provar ao mundo que a tradição ainda é o que era: numa equipa feminina tuga, não podia faltar um bigode!!! Para lá dessa pilosa demonstração, foi vista a divertir-se com a bola e a dar pontapés estonteantes no vazio. Por fim, saiu do campo, com dores menstruais, certamente… Entretanto, as bombas calóricas alemãs iam entrando, sem cessar, no cesto das lusas… Temia-se uma humilhação épica. Bom, e o que fizer da Ronalda? Com os dedos calejados por causa dos autógrafos, lá ia ensaiando uns pas de deux pela relva. Pontuava o penteado patrocinado pelo Linic. O trabalho de manicure e pedicure era, naturalmente, menos visível. A meio 2º parte fez beicinho e temia-se que, no final, quisesse imitar o Ben Hur e mostrasse o seu torso guerreiro em topless, “pour épater les bourgeois”. Culminando assim em beleza o acabrunhante espectáculo. O desfecho só não foi este, como é lícito supor, por falta de patrocinador… O desfecho real, esse, é o que todos conhecemos.

2. Manuel Alegre insurgiu-se contra os apupos e insultos de militantes a António Costa, à saída da reunião do CN do PS, em Ermesinde. Acrescentando que casos destes “resolvem-se à nascença”. Um recado aos órgãos do partido… A chamada de atenção faz todo o sentido. Episódios como estes são inaceitáveis. Porém, acabam por ter uma virtude: mostram a realidade profunda do PS. Que inclui o seu lado patogénico, manifestado pelas bases de “pé-descalços” em modo “justiceiro”. A maioria, militantes que devem empregos, visibilidade social e favores diversos aos aparelhos locais. E que não perdem uma oportunidade de retribuir, prestando ruidosa vassalagem ao chefe, o magnânimo distribuidor dos empregos e facilitador de situações à la carte. E fazem-no de acordo com a cartilha populista: apupam quem desafia o status quo, dão vivas ao chefe, para assim assegurar “boas colheitas” no futuro próximo, com um suplemento de adrenalina à mistura. Ou seja, para essas “bases”, tudo vale a pena para manter o “potlach” em círculos concêntricos a que se resume a afamada “vida partidária” local. O país já tinha assistido a cenas semelhantes, onde só mudam os protagonistas: foi assim em Felgueiras, onde o alvo da “ira” socialista local, “solidária” com a Fatinha do saco azul, foi o agora deputado europeu Assis; foi assim em Matosinhos, na célebre peixeirada dos apoiantes de Narciso Miranda e que vitimou Sousa Franco. Seria interessante fazer o seguinte exercício: se fosse Costa o líder e Seguro o “desafiador”, seria certamente este último a conhecer “in situ” o vibrante calão popular nortenho. O PS, pelos vistos, não quer retirar nenhuma lição do seu passado. O mesmo é dizer, não aprende com os erros nem com os vícios…

Por: António Godinho Gil

Sobre o autor

Leave a Reply