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1. As boas pessoas, de um modo geral, ganharam o direito à isenção de um juízo crítico que sobre elas recaia. Ou seja, apontar-lhe uma falha, um pecadilho, um lapso na virtude, um simples gesto mal acomodado nos louvores e nos elogios fúnebres, exige um destemor e uma certeza probatória que para o comum dos mortais não existe. Sobretudo para aqueles que não são boas pessoas. Dito de outra forma, só uma super boa pessoa pode criticar uma boa pessoa. Para complicar ainda mais as coisas, existe uma categoria de pessoas – a maioria – que, não sendo boas, também não são más. Algumas delas exercem funções políticas. Ora. é sabido que a maioria das pessoas que exercem funções políticas são, digamos, más pessoas. O que faz com que as poucas que sejam assim assim se tornem “boas”, atendendo à quase escassez desta categoria neste desiderato específico. Portanto, existem políticos – poucos – que se tornaram boas pessoas interinas. Voltemos então ao início desta reflexão: poder-se-á criticá-los da mesma forma que o vulgo dos políticos (que são, genericamente, más pessoas definitivas)? A resposta é negativa, obviamente. Um político que seja boa pessoa ganhou direito a uma dispensa de escrutínio, graças à sua excepcionalidade. E se for do sexo feminino, então essa dispensa transforma-se em imunidade vitalícia. Ou seja, quem criticar uma cidadã que exerce funções políticas e que seja boa pessoa interina, arrisca-se a ser confundido com um grosseiro provocador sem coração e, para além disso, sem cabeça. Paradoxalmente, quanto mais expressiva for a nulidade dos políticos boas pessoas, maior a dificuldade em criticá-los. E mais odioso se torna esse exercício. Chego mesmo a pensar que o cúmulo da perversidade, num político, para além de se fazer passar por mulher, é simular com êxito ser uma boa pessoa… Na Guarda existe um caso assim. A figura mais incompetente e ineficaz que passou pela Câmara nos últimos 30 anos arrisca-se a sair airosamente de cena sem o mais leve assomo de vergonha e sem o mais ténue escrutínio público do seu desempenho. E porquê? Ora… é tão boa pessoa!

2. A vidovska adornada com resmas de sabedoria avulsa. A vidinha, a querida vidinha, ela própria. A caderneta de cromos bipolares do grrrrande izpetáculo, para nharros e basbaques!!! Respeitáveis transeuntes, incautos itinerantes, pasmai com a vastidão ciclotímica dos incontáveis insights graficodependentes! Sim! Em atmosfera agit-nerd-de sótão! Aleluia! Aleluia!  Com incursões opinativas à laia de divulgação eufemística da reflexão séria! Taram! Arreda! arreda! Mas eis o paradoxo fatal. A vidovska enfatuada, a vidélia passeante, a viduça cumprimentante, a videx decompositária, o não estar aqui que não se pode dizer, a capitulação cabisbaixa, o janota abotoado nas suas prosas que a ninguém interessam, o fogo por estrear, à espera…

3. Tenho um grande orgulho em ter na biblioteca um exemplar de “O Medo”, de Al Berto. Ainda para mais, autografado pelo próprio numa noite memorável no Bairro Alto, onde me foi apresentado, algures em 1989. Reparei logo nas suas mãos enormes. Muito apropriadas para um poeta-viajante, um janus solar / lunar. Muito recentemente, em dia de nostalgite aguda, fui à biblioteca recolher o volume e tresler alguns poemas. A páginas tantas, encontrei isto: “nada me consola, nada me desperta curiosidade, nem as mãos que inventaste para me revelares escondidos lugares me tocam. sou o último habitante da espessa noite do desejo, morada do imenso cansaço onde as alucinações perturbam e maravilham…”

Por: António Godinho Gil

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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