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Mês entre parêntesis

observatório de ornitorrincos

Começou Agosto, tradicional mês das férias de Verão e o mais atípico do ano, durante o qual acontecem as coisas mais extraordinárias com as pessoas e com os turistas. Os portugueses começam a ler e, talvez em consequência disso, os melhores colunistas deixam de escrever. Os intelectuais do Bloco desapertam um botão do pólo Ralph Lauren por causa do calor. Pelas ruas há gente que fala francês, numa tentativa desesperada de não deixar este idioma antigo morrer. As adolescentes passeiam a pele pelas ruas e esplanadas das praias e cidades. Provavelmente por causa da greve de zelo das polícias, ninguém é preso. Manuel Alegre escreve poemas com mote no mito de Édipo, o tipo que se tornou rei depois de matar o Pai. Saramago promete novo romance-choque, desta vez usando a pontuação de forma correcta.

Entretanto pára a política, à espera dos comícios de reentrada no fim deste mês. Na televisão assistimos a reposições, festas de Verão directamente dos lugares onde o povo se junta e telenovelas cada vez mais parecidas com os filmes das playmates que passam em certo canal codificado. As várias estações de televisão preparam as novas grelhas de programação, a cobertura das eleições que se aproximam e a cabeça dos telespectadores para aceitar e gramar mais um conjunto de programas ridículos.

É neste espírito que o Observatório de Ornitorrincos propõe que as televisões, em vez de longos debates e especiais de informação, apresentem as presidenciais (e mesmo as autárquicas) como uma divertida sitcom. Como explica John Byrne no seu Writing Comedy, a comicidade das personagens das sitcoms resulta das situações e relações das quais não conseguem escapar. A exploração cómica vive da pergunta: “Se eles não se dão bem, por que razão não se separam?” O leitor mais atento já terá entendido a que me refiro. Os mais distraídos estarão ainda a pensar e os mais tarados julgarão que me refiro aos seios de Pamela Anderson.

Explico: seja nas eleições autárquicas, seja nas presidenciais, as personagens têm relações de tensão, quase à beira da guerra total, mas são, no fim de cada episódio, inseparáveis. No primeiro caso temos mais de trezentos senhores presidentes das câmaras municipais e o eleitorado, em que os primeiros desprezam o segundo e estes odeiam aqueles. Mas no fim, escolhem-nos para permanecer no lugar e a comédia poder continuar. No caso presidencial, ao estilo do confronto clássico Jack Lemon vs. Walter Matthau, veremos dois velhotes que não suportam mutuamente as manias um do outro, mas vicissitudes várias e o medo da solidão os impelem a convivência infinita sem a qual não sobreviveriam na sitcom que é a política nacional.

A preparação destas séries deve ser feita durante o mês de Agosto, enquanto os presidenciáveis desenvolvem contactos e os autarcas estão entretidos a atafulhar bolsas de cor celeste com fundos para gastar até Outubro. Entretido com a areia em partes incómodas, o povo relaxa e prepara-se para a risota que se segue nos próximos meses.

EU VOLTEI A VER ORNITORRINCOS

Veraneantes

Desejo de estudar o desconhecido e algum azar à mistura levaram-me à proximidade de uma praia (mais propriamente, ao último degrau de cimento que dava acesso ao areal). Na areia, horda da espécie convive com os seus semelhantes, tostando a barriga e as costas, na esperança vã de ficar mais atraente para os espécimes do sexo oposto – ou do mesmo, que os tempos permitem agora qualquer combinação matemática. O calor transforma os ornitorrincos em lagartixas coloridas. Darwin nunca foi à praia.

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