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“Memórias de Adriano” só mesmo da Marguerite Yourcenar!

Começo a ter a convicção que devem ter virado o mundo ao contrário, ou estarei a assistir a exercícios de expiação tardios de certa gente que foi qualquer coisa de inapreciável politicamente noutras fases de longas vidas.

Esta semana ouvi o professor Adriano Moreira, numa entrevista na SIC ao António José Teixeira, e a determinada altura belisquei-me para saber se estava a ouvir e a ver a mesma pessoa que foi ministro de Salazar e que reabriu o campo prisional do Tarrafal em 1961, depois de encerrado em 1954, por pressões internacionais e contestação interna, pelas condições degradantes que lhe trouxeram o aviltante nome de “campo da morte lenta”.

Qualquer alienígena que tivesse aterrado neste planeta esta semana ficava completamente banzado com as críticas assertivas que o Prof. Adriano Moreira faz às medidas draconianas do governo do PSD/CDS, na esteira do que fez o governo liderado por José Sócrates.

Com noventas, putativo delfim de Salazar, ministro do Ultramar num momento particularmente sensível nas colónias, Moreira defendeu posições que basicamente a esquerda, que nunca esteve no poder, defende coerentemente há muitos anos, como questões tão comezinhas como a estabilidade no emprego, uma saúde e uma educação em que todos os cidadãos tivessem iguais direitos, num Estado Social que desse oportunidades a todos na defesa de um bem-estar, e mais alguns lugares comuns, que são do agrado dos muitos que o ouvem e admiram com alguma reverência, talvez pelo seu ar professoral e a sua proveta idade.

Ficaria estarrecido se não soubesse do seu percurso nos últimos sessenta anos, ou foram um embuste perfeito ou então está a reinar com todos que o ouvem. Desculpe professor, mas para este peditório já dei!

Também ouvi esta semana o Dr. Mário Soares falar sobre os períodos da sua intervenção política a seguir ao 25 de abril de 1974, e confesso que a minha indiferença é praticamente igual à que senti quando ouvi o Professor Adriano Moreira. Não quero ter nada a ver com este filme: “Aos costumes disse nada”.

Acho que estes programas deviam ir para a RTP Memória, pois tem já por lá o “reprise” Hermano Saraiva a destilar a sua verve ultra-direitista e assim juntava-se por lá tudo o que hoje se anda a recolher no baú da política.

Na Rádio Altitude também ouvi partes do “Recordar o passado na Guarda”, mas desaguentei e mudei de registo pois, sinceramente, desapetece-me de todo permanecer continuadamente a ouvir alijar responsabilidades para outros, um pouco na esteira do Prof. Moreira ou do Dr. Soares, que afinal nunca tiveram a ver com nada!

Começo a perceber porque é que “O Artista” foi nomeado para dez Óscares. Estamos no tempo de mudez e só aos gerontos lhe é dada palavra.

Aguardem pela Páscoa, quarenta dias depois de um Entrudo que já era, para que eu faça uma crónica adocicada.

Por: Fernando Pereira

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