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Medo de voar

O voo humano é uma actividade que se tem vindo a banalizar com o passar dos anos, sendo hoje encarado como o modo de transporte preferencial quando pretendemos percorrer distâncias consideráveis no mínimo período de tempo possível. Os aviões são, hoje, considerados máquinas de transporte alternativas a muitas outras deixando de constituir um elemento de surpresa quando cruzam os céus do nosso quotidiano a grandes velocidades e altitudes. Máquinas evoluídas, é certo, mas que se integram plenamente no mundo actual, podendo, até, considerar-se como instrumentos catalisadores do desenvolvimento da sociedade.

Porém, não deixa de ser curioso que, apesar desta aparente trivialidade, grande parte das pessoas tem um enorme medo de voar. Para muitos indivíduos, o simples facto de conceberem a hipótese de embarcarem numa viagem aérea a bordo de uma aeronave convencional é motivo suficiente para imediatamente entrarem num estado de desconforto generalizado. Outros, pura e simplesmente atingem uma condição de pânico de tal forma agudizado que os induz a uma recusa de utilização deste meio de transporte em detrimento de qualquer outro, que não os obrigue a catapultar para uma distância perigosamente acima do solo. Este tipo de fobia foi já motivo de apurados estudos que visavam obter uma explicação científica cabal para este comportamento, permitindo, entre outras coisas, minimizar o prejuízo que daí pudesse advir para os passageiros receosos. Parece que a explicação mais lógica para esta aversão ao voo vai ao encontro daquilo que uma vez ouvi de um psicólogo amigo: se o Homem tivesse sido feito para voar, então alguém lhe deveria ter colocado asas e fornecido máscara de oxigénio. Por outras palavras: o ar não é, nem de longe nem de perto, o meio natural de permanência para os humanos. Por isso, a ideia de estarmos a cerca de dez quilómetros de altitude a bordo de um jacto comercial perfeitamente seguro pode, de alguma forma, condicionar a nossa resposta psicológica, e mesmo fisiológica, levando-nos a adquirir sérias dúvidas sobre a segurança daquela aeronave.

Este preconceito quase generalizado perante o perigo associado ao acto de voar não possui, todavia, qualquer sustentabilidade racional. Assim, vejamos: os aviões, ao contrário do que muitas pessoas pensam, não foram feitos para cair! Se assim fosse, não estariam dotados de asas. A prova disto está, por exemplo, num recente incidente ocorrido com um avião comercial de longo curso que tendo ficado desprovido do funcionamento dos seus dois motores em pleno oceano Atlântico conseguiu, mesmo assim, planar tranquilamente quase meia hora até atingir uma pista nos Açores. Paralelamente, os aviões comerciais dispõem de uma panóplia de equipamentos que controlam uma quantidade impressionante de parâmetros visando a maximização da segurança de voo. Não é à toa que todos os sistemas de uma aeronave cuja eventual falha possa comprometer a segurança são concebidos com uma redundância de componentes que praticamente anulam uma possível avaria e, consequentemente, minimizam a hipótese de ocorrência de um acidente que possa ser estritamente associado a falha de material. De facto, a grande maioria dos acidentes aéreos raramente têm uma causa isolada, mas quase sempre estão relacionados com uma falha humana, num valor que ronda os 80 por cento, segundo estatísticas recentes. Este factor humano não tem de estar obrigatoriamente cingido aos pilotos que coabitam na cabine de pilotagem, havendo um sem número de pessoas que, directa ou indirectamente, têm um contributo inquestionável para a segurança de voo. Contudo, este elemento humano passível de falhas também não pode ser dissociado dos restantes modos de transporte. Um recente estudo estatístico empreendido pela FAA (organismo dos EUA responsável pelo transporte aéreo) concluiu que apenas 0,08 por cento das fatalidades estavam relacionadas com o transporte aéreo, valor este que subia para os 38 por cento no caso do transporte rodoviário. Até os acidentes domésticos, com um valor de 18 por cento, ultrapassam largamente os acidentes aéreos. Mais, se pensarmos que no ano passado morreram 466 pessoas em acidentes aéreos ocorridos com aviões comerciais em todo o mundo, e se compararmos este número com o total de vítimas de acidentes rodoviários registados em igual período (1,2 milhões), facilmente concluímos que, afinal, os aviões não foram feitos para cair, assumindo-se antes como o meio de transporte mais seguro. Por tudo isto, custa a entender porque razão existem tantas pessoas com medo de voar. E, se todos fôssemos orientados por um raciocínio puramente lógico e objectivo (abstraindo-nos dos factores económicos, obviamente) talvez disséssemos, antes da próxima viagem de férias ao Algarve de automóvel: pensando bem, vou antes de avião…é mais rápido!

Por: José Miguel Silva

* Assistente do Depart. de Ciências Aeroespaciais da UBI

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