Arquivo

Mediterrâneo: em vez da fronteira, o centro

Os 900 náufragos que morreram este fim de semana são “apenas” um momento mais impactante, pelo número e pelas circunstâncias. Mas os episódios são tantos que rapidamente voltaremos à rotina que não cabe nas notícias. Quando isso acontecer os líderes europeus voltarão às suas vidas, deixando aos países do sul da Europa a responsabilidade de lidar com a catástrofe humanitária que nos está a bater à porta.

Nos últimos 15 meses foram mais de 4500 mortos. E a situação tenderá a piorar. O vazio de poder na Líbia e noutros países do norte de África, que resultou do falhanço da “primavera árabe”, acentuou um movimento que já existia. Perante isto, os dirigentes europeus encontraram a solução: destruir as embarcações que estes homens, mulheres e crianças usam para atravessar o Mediterrâneo. Como se isso travasse quem corre todos os riscos para fugir à miséria, à guerra e à morte.

A resposta é a contrária: fazer do Mediterrâneo um espaço económico e político que permita aos países do norte de África prosperar – e não colapsar no caos da guerra e do vazio de poder. O que temos de conseguir é que o Mediterrâneo volte a ser, não uma fronteira, não uma vala comum para gente com esperança, mas um centro económico, cultural e político. Não chegam acordos bilaterais de investimento e cooperação. Não chega comprar petróleo e agradar a ditadores. É precisa uma Comunidade Económica Mediterrânica que faça da Europa um verdadeiro parceiro do desenvolvimento económico e político do Norte de África e do Médio Oriente.

Sempre que a Europa olha para sul vê o “problema da imigração”. Um raciocínio estranho num continente dominado por uma brutal crise demográfica. Esse sim, é o “problema”. A imigração será, quanto muito, parte da solução. Para além de desumano, é absurdo que, enquanto debatemos como garantir a sustentabilidade da segurança social numa Europa envelhecida, deixemos morrer no mar aqueles que podem contribuir para rejuvenescer a Europa. E rejuvenescê-la como se rejuvenesceram todas as civilizações que se tornaram centros de conhecimento, criatividade e comércio: através da miscigenação e do encontro de culturas. A solução para o envelhecimento e decadência cultural da Europa está nos imigrantes que deixamos morrer ao largo da nossa costa.

Não nego que há dificuldades. As que existiram em todas as sociedades que se tornaram centros de atração de estrangeiros. O encontro entre culturas não se faz sem dor e conflito. Não é como um festival de músicas do mundo. Há incompreensão, violência e tensão. E há sempre quem aproveite politicamente o medo, seja ele justificado ou não. Ainda mais em momentos de crise. Tenho também consciência de que em momentos destes os empregadores tendem a encontrar nos imigrantes a forma de contratar a preços baixos e sem direitos, impondo no mercado de trabalho a lei da selva. Sobretudo quando o Estado favorece a ilegalidade em vez da regulamentação. Mas manter a Europa como uma fortaleza não é apenas inviável. Fará definhar este continente dominado pelo medo.

Se queremos aproveitar o que resta da energia europeia para nos regenerarmos, temos de decidir, de uma vez por todas, como queremos lidar com a imigração. Começando por contribuir, com outros, para a pacificação e desenvolvimento económico dos nossos vizinhos. Ninguém sobrevive em segurança rodeado pelo caos e pela miséria. Depois, temos de contrariar a xenofobia com um discurso que seja a sua antítese. A imigração é, apesar do nosso estado, o sinal que resta da vitalidade europeia. Ela faz, assim como a vizinhança que temos, parte da solução para muitos dos nossos problemas.

Por: Daniel Oliveira

Sobre o autor

Leave a Reply