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Médicos suspeitos de corrupção vão ser julgados

Investigação da Judiciária apurou seis casos de alegada corrupção passiva nos centros de saúde da Guarda, Covilhã e Fundão

Algumas delegações do Ministério Público (MP) das comarcas da Beira Interior deverão ser brevemente chamadas a reapreciar uma meia dúzia de casos de médicos que terão prescrito determinados medicamentos a troco de prendas de vários laboratórios farmacêuticos. Estes clínicos de centros de saúde da Guarda, Covilhã e Fundão são suspeitos da prática de corrupção passiva no âmbito de uma mega-investigação concluída há cinco anos pela Polícia Judiciária da Guarda, mas os processos não chegaram supostamente a ser instruídos pelo MP após o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) ter proposto o seu arquivamento. Contudo, o Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu recentemente esta decisão e pronunciou-se favoravelmente à realização dos julgamentos.

Uma reviravolta noticiada pelo “Público” na semana passada e que pode implicar na região a análise de pelo menos seis casos por parte dos magistrados do MP, correspondentes às situações apuradas pela PJ de médicos de clínica geral, do quadro desses centros de saúde e a exercerem em regime de exclusividade, que terão alegadamente recebido contrapartidas em géneros e dinheiro pela prescrição de determinados medicamentos. A investigação durou ano e meio e aconteceu na sequência do célebre processo da Figueira da Foz, onde alguns médicos foram posteriormente condenados. As buscas então efectuadas a vários laboratórios farmacêuticos permitiram descobrir listas de nomes e planos de objectivos por zonas, levando a Judiciária da Guarda a investigar na sua área de abrangência 45 clínicos suspeitos de relações perigosas com os laboratórios na Guarda, Covilhã, Fundão, Gouveia, Seia e Sabugal. Desses, apenas seis casos foram na altura remetidos para o Ministério Público com propostas de acusação, segundo apurou “O Interior”, após a PJ ter apurado os factos que indiciavam que estes médicos tinham recebido individualmente um computador, uma máquina fotográfica, uma televisão, viagens e custos com deslocações a congressos, entre outros bens de consumo. Material que chegou a ser apreendido durante a investigação, mas foi devolvido posteriormente aos clínicos após um despacho do MP ter ordenado a sua entrega.

Alguns dos factos apurados pela PJ da Guarda reportam-se a anos anteriores e, segundo fonte da Judiciária, os médicos em causa prescreviam «sempre» e «por norma» os medicamentos mais caros do mercado, embora os inspectores, que chegaram a ouvir alguns pacientes, não tenham conseguido apurar se a prescrição era ou não a indicada à doença dos utentes. Em troca recebiam «prendas», que «eram os próprios a solicitar aos delegados de informação na maioria dos casos», acrescenta a mesma fonte. Estes últimos, devidamente identificados pela PJ nos centros de saúde da Guarda, Covilhã e Fundão, também foram constituídos arguidos pela alegada prática de crimes de corrupção activa, mas foram «menos colaborantes» e recusaram prestar qualquer tipo de informação. No entanto, a prescrição excessiva aos doentes, sobretudo idosos, terá sido identificada pelos inspectores, configurando uma violação dos deveres do cargo por parte dos médicos em causa. A Ordem dos Médicos já disse entretanto que irá suspender os clínicos que vierem a ser condenados nestes casos. Falta agora o DCIAP remeter os respectivos processos para os procuradores das comarcas correspondentes, a quem caberá formular ou não a acusação consoante a matéria factual apurada pela Judiciária.

Luís Martins

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