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Maternidades. Hipermercados de bebés?

Não estando minimamente em causa os níveis ideais de apetrechamento humano e técnico correctamente definidos pela Ordem dos Médicos, é obviamente inaceitável que se imponham princípios e critérios aos organismos públicos que não se aplicam aos privados, e vice-versa, e que se utilizem critérios técnicos apenas para colocar cadeados e não para investir e melhorar.

Portugal ocupa o 12º lugar da Europa dos 15 no que toca à mortalidade perinatal, encontrando-se entre os melhores do mundo no que toca à mortalidade infantil, com uma taxa de 3,8 por mil. Porque é de toda a justiça, saliente-se o insubstituível contributo que a Medicina Geral e Familiar deu para estes bons resultados. É devido à qualidade da generalidade dos profissionais de saúde que Portugal tem índices de saúde mundiais, porque naquilo que é responsabilidade dos políticos governantes, continuamos a ver Portugal a divergir da Europa.

Porém, porque não conseguimos melhores resultados? Fez-se algum estudo às causas de morte perinatal e infantil nos últimos 10 anos? De quê, porquê e aonde se morre Porém, porque não conseguimos melhores resultados? Fez-se algum estudo às causas de morte perinatal e infantil nos últimos 10 anos? De quê, porquê e aonde se morre em Portugal 60% dos partos nos serviços públicos serão realizados por enfermeiros; é uma questão que tem de ser analisada sem complexos.)? É falta de condições técnicas que possam e devam ser ultrapassadas? Faremos cesarianas em excesso? Um estudo recente, publicado numa revista médica internacional mostrou que as cesarianas efectuadas sem indicação formal aumentam o uso de antibióticos postpartum, a morbilidade e mortalidade materna e a mortalidade neonatal.

Alguém sabe responder, para se aplicar a solução mais adequada, ou o que prevalece é só a vontade de fechar, ainda que sem fundamentos indiscutíveis? E se fechar não melhorar os indicadores de mortalidade?… A Comissão Nacional de Saúde Materna e Neonatal aponta para uma série de deficiências na organização perinatal nacional, como a falta de programas de qualidade, que extravasam, em muito, a simples falta de profissionais!

Que estudos demonstram que os grandes hipermercados de bebés são melhores que os pequenos supermercados de proximidade? Porque é que o critério não é definido em função dos resultados técnicos, de rácios e da satisfação dos utentes, mas sim com base em limiares convencionadamente definidos e diferentes noutros países, como França, com fronteira nos 1000 e não nos 1500 partos/ano para a determinação do encerramento de Maternidades? Porque não foram visitadas as Maternidades objecto de sentença de morte, com decisões caso a caso? Porque é que não fecham imediatamente os hospitais que, com consequências gravíssimas e muito mais impressionantes riscos para a saúde, não têm condições para isolar correctamente doentes com infecções hospitalares?

Estranhamente, os blocos de parto dos hospitais de Cascais e Vila Franca de Xira, que também não cumprem os critérios, continuam em funcionamento, decisão justificada com o facto dos futuros hospitais destes concelhos, a construir em regime de Parceria Público-Privado, preverem blocos de partos. As PPP podem não cumprir os critérios?! Com que desplante vêm os privados oferecer-se para fazer partos onde eles afinal ‘não existem’?!

Portalegre e Chaves têm menos de 500 partos/ano mas não encerram – não há alternativa próxima; está correcto, mas que investimentos vão ser feitos em Portalegre e Chaves? Quantos especialistas vão ser deslocados de Lisboa ou Porto? Curiosamente, o presidente do conselho de administração do hospital de Portalegre defendeu que “O serviço de Portalegre tem qualidade e segurança”! Então sobre Barcelos, que faz 1000 partos/ano, o Ministro diz que há grave risco e sobre Portalegre, que faz 500, o mesmo Ministro já acha que há qualidade e segurança?! Sem comentários…

Em todo o caso, é evidente que se compreendem alguns encerramentos, dentro duma necessária racionalização de recursos finitos, como Oliveira de Azeméis, a 13 Km da Feira, ou Santo Tirso, a 9 minutos de Famalicão. Mas assuma-se que o que se pretende é poupar e racionalizar, não se manipulem critérios técnicos de forma contraditória consoante os interesses casuísticos!

A decisão final sobre a rede Materno-Infantil não foi antecedida de discussão da evolução verificada em vários países, como a Suécia, Noruega, Dinamarca, Inglaterra e Espanha, que promovem condições e serviços de apoio ao parto em casa! Na Holanda, mais de 30% dos partos têm lugar na tranquilidade do lar e em Portugal calcula-se que 400 a 700 partos/ano ocorrem deliberadamente em casa. É algo que terá de ser discutido e regulamentado.

Quanto às consequências e significado dos encerramentos, alguém as dissecou?

Foram contabilizados os efeitos do aumento das deslocações das grávidas? Mais partos nas ambulâncias?! Os Médicos do INEM, já insuficientes, vão passar a fazer acompanhamento de grávidas em vez de acudirem a situações de emergência, o que pode originar casos fatais?!

Os argumentos usados para fechar Maternidades podem ser utilizados para encerrar progressivamente todas as instituições hospitalares mais pequenas mas a funcionar segundo o princípio da proximidade e com qualidade. É isto que se pretende?

Há também a questão política. Têm razão os autarcas que reclamam do encerramento das respectivas Maternidades. Os seus municípios ficam mais pobres. Têm direito, pois, a contrapartidas para a sua região, para minimizar o agravamento dos desequilíbrios e das desigualdades. Ao desinvestir, desertificar e concentrar o interior do país, qual é o Portugal que, afinal, queremos?

Por: José Manuel Silva *

* Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos

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