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Maternidade da Guarda na expectativa

Médicos, políticos e cidadãos defendem que os requisitos técnicos não são suficientes para determinar o encerramento do serviço

Todos estão contra o eventual encerramento da maternidade do Hospital Sousa Martins, na Guarda, e a possível concentração deste serviço na Covilhã. Desde médicos a cidadãos anónimos, todos se questionam sobre a transferência da maternidade com mais consultas, mais partos por ano e onde existem mais profissionais. O relatório da Comissão Nacional de Saúde Materna e Neonatal, liderada por Albino Aroso, já está nas mãos do ministro da Saúde, Luís Filipe Pereira, e aponta para o pior cenário. No entanto, a decisão só deverá ser tomada no final deste mês. Até lá o serviço que recentemente sofreu obras de remodelação vive na incerteza.

Ao contrário de outros responsáveis médicos, José Cunha, director clínico do Hospital de Sousa Martins, justifica que «há razões técnicas que aconselham a diferenciação de serviços pelos diversos hospitais». Apesar de confiar que as portas da maternidade não vão fechar, o director clínico afirma que os três hospitais da Beira Interior estão «em pé de igualdade», sendo que as unidades da Guarda e Castelo Branco estão em «perfeita equidade» perante a licenciatura de Medicina da Universidade da Beira Interior (UBI). Se antes o Hospital Sousa Martins não tinha capacidade formativa, actualmente com a Faculdade de Ciências da Saúde «há uma notória aposta na elevação de níveis por excelência em determinadas especialidades», frisa. E isso, não só no aspecto formativo, mas também ao nível da assistência médica. «Na Guarda pretendemos diferenciarmo-nos em algumas sub-especialidades», revela José Cunha, dizendo que se pretendem criar outras especializações em obstetrícia e ginecologia. «Ninguém quer tirar nenhum serviço do Hospital da Guarda. Aliás, pretendemos que as nossas valências se desenvolvam para níveis de excelência», garante o médico.

Neste momento «tudo está em aberto», assegura José Cunha, dizendo não acreditar em forças «exteriores ou políticas» neste processo. O problema é se algum dos hospitais «se descuida» e não desenvolve as suas valências, «aí sim, poderão perder-se serviços», avisa. Até lá, refere que a decisão da maternidade continuar ou não a funcionar no Sousa Martins «cabe à própria instituição, aos seus especialistas e aos utentes». O hospital guardense tem o maior número de partos e o maior quadro de profissionais da região, «mas ninguém recebe nada de mão beijada», constata o médico, sendo por isso necessária uma afirmação ao nível da qualidade. «A melhor competência é que vai ser premiada, trata-se de uma filosofia assente em procurar merecer aquilo que se pretende», confia o director clínico.

Distância é a mesma da Covilhã para a Guarda

Já Pedro Nobre, do Movimento Cívico pela Criança, está mais expectante quanto à decisão do Governo. E como não entende este possível fecho, vai mais longe e apresenta números. No ano passado, nasceram na Guarda cerca de 940 crianças, na Covilhã 620 e em Castelo Branco 480. Segundo as suas contas, a soma das duas unidades hospitalares vizinhas é quase semelhante ao número atingido pela Guarda. «Logo, não é aceitável que a Guarda seja sacrificada», constata. Mais vai mais longe na sua avaliação. Terminaram recentemente algumas obras naquele serviço, nomeadamente no bloco operatório e na sala de partos, que custaram cerca de 500 mil euros, apetrechando de melhor qualidade e equipamento o serviço. «Que gestão é esta quando se investe na qualidade para depois se fechar o serviço?», questiona, incomodado, Pedro Nobre. «Os quilómetros da Guarda para Covilhã são os mesmos que da Covilhã para a Guarda», recorda ironicamente. Mas o problema não são só as mulheres grávidas da cidade, «e as que vêm de Foz Côa ou da Mêda?», interroga. Todos os indicadores apontam que este «é um óptimo serviço», até mesmo a taxa de mortalidade infantil que é inferior à média nacional, recorda Pedro Nobre.

A maternidade do hospital da Guarda merece pois «toda a confiança do distrito e a população não pode aceitar pacificamente o seu possível encerramento, até porque atrás deste serviço podem ir outras valências», alerta. Nesse sentido, aproveita para lançar o desafio às entidades competentes para fomentar um debate onde se explique o que se está a passar com a saúde na Guarda e onde «se responda às perguntas que nos inquietam, que não são poucas», acrescenta. Entretanto o Movimento Pela Criança, que foi criado por causa da Pediatria, vai aguardar por medidas mais concretas para tomar alguma posição.

Uma luta comum a todos

Em Março, um grupo de mães da Guarda exerceu o seu direito de cidadania e recolheu cerca de cinco mil assinaturas num abaixo-assinado onde manifestaram o seu desagrado pelo encerramento [momentâneo] da maternidade. Agora, alguns meses depois, perante essa nova eventualidade, o sentimento de impotência repete-se. «Há um certo cepticismo perante esta situação», defende uma das signatárias, «talvez devido à dimensão política que este processo está a tomar», para além da sensação de «injustiça» que é comum a todas as subscritoras. «É mais uma pedrada para a desertificação», acrescenta. «Devíamos lutar por uma causa comum, independentemente das cores partidárias, porque o está em causa é um problema que é de todos», conclui. Recorde-se que a última Assembleia Municipal da Guarda aprovou uma moção para pedir esclarecimentos ao titular da pasta da Saúde sobre este assunto, na sequência das afirmações do bastonário da Ordem dos Médicos. Germano de Sousa defendeu em Setembro o encerramento da maternidade dos hospitais da Guarda e Castelo Branco. Uma posição que o Conselho Distrital da Ordem dos Médicos também quer esclarecer, mas à qual ainda não obteve qualquer resposta. Já os médicos do Centro de Saúde da Guarda apelaram, numa carta aberta, à sociedade política e civil para lutar contra o fecho deste serviço.

Patrícia Correia

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