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Maria Pia Baptismal

observatório de ornitorrincos

Chamamos os nomes às coisas ou chamamos os bois pelos nomes quando queremos encarar a realidade de frente. Quando não queremos, chamamos nomes pelas costas. Às vezes acontece que o mais difícil é chamar as pessoas pelos nomes. Pelos próprios ou pelos de família. Ao designar os primeiros nomes de cada pessoa como “nomes próprios” os portugueses quiseram deixar bem claro que os apelidos são nomes emprestados. Podemos usá-los, sim senhor, mas enquanto não formos da geração mais velha da família aquele nome não nos pertence totalmente, é sempre o nome do pai ou do avô. Nosso é apenas (ou são apenas, consoante o grau de pinderiquice de quem escolheu) o primeiro (e segundo).

A ciência que tenta explicar as personalidades a partir dos nomes esquece a aleatoriedade das cabeças dos pais e os humores dos senhores do registo. Um casal que queira chamar à sua filha Astragilsaramesh pode ser impedido por um funcionário zeloso da correcção onomástica. E é evidente que um nome assim tem garantido um futuro radioso nos oráculos dos videntes. No entanto, a lista de nomes permitidos pela lei portuguesa alberga nomes como Gumersindo, Caríbdis ou Xantipa.

Há exclusões dessa lista com que não me conformo. Podemos dar às crianças nomes de flores – Rosa, Margarida – mas duvido que aceitem Gerbera ou Dente-de-Leão. É possível adjectivar com qualidades – Clemente, Pio – mas não com defeitos – Invejoso, Glutão. Há nomes que são gerúndio – Armando – mas nem todos os verbos são admitidos – Fabricando, só para ficar nos sinónimos. E os nomes serão realmente denotativos? Uma Rosa nunca terá chulé? (Segundo Shakespeare, uma rosa cheiraria tão doce mesmo que outro fosse o seu nome, mas o Bardo usava colarinhos rendados e já se sabe…) Um Clemente nunca esbofeteia o tipo que lhe roubou a namorada? Um Armando nunca destrói nada? Pelo mesmo raciocínio não haveria nenhuma Sara – que significa princesa em hebraico – porque Israel é uma república, nem Jorge – que vem do grego agricultor – nos países da Política Agrícola Comum.

Os nomes não servem sequer para distinguir as pessoas umas das outras – há um Nuno Amaral correspondente do Público no Rio de Janeiro e um Nuno Jerónimo que se farta de ganhar prémios de publicidade pelo mundo fora. Nenhum sou eu. Para isso, os números do bilhete de identidade davam mais jeito. Ou os números de telemóvel. “Eh pá, a semana passada conheci a 96x xxx xxx. Espectacular, a miúda”, em vez de “Eh pá, a semana passada conheci a Cátia.” “Cátia? Qual, a Vanessa, a Carina, a de Freixo-de-Espada-à-Cinta ou aquela que andou com o Paulo?”. A confusão instala-se e a comédia atrapalha a comunicação.

Já agora, Nuno é um caso curioso. Só existe nos países de língua portuguesa. Não tem nenhum correspondente em qualquer outra língua, pelo menos das mais conhecidas. É um nome típico de Portugal, é verdade, mas isso também a cunha e a tuberculose são.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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