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Malhoa e Bordallo

Aproveitando a convergência das efemérides do sesquicentenário do nascimento de José Malhoa e do centenário da morte de Bordallo Pinheiro o museu que ostenta o nome daquele, nas Caldas da Rainha, decidiu – e bem – homenageá-los com exposições.

O encerramento estava previsto para 16 p.p., domingo, razão por que, para evitar a maior aglomeração dominical, decidi ir no sábado anterior. Tive, in loco, a satisfação de saber que o evento, dada a afluência de público, se prolongará até 6 de Novembro.

Malhoa e Bordallo são figuras cimeiras da intervenção em Portugal: o primeiro pela pintura; o segundo por um leque mais diversificado que vai da cerâmica à ironia e à crítica. É consabido.

Ademais, o museu postula uma visita por nele se encontraram outros nomes maiores, como, v.g., Silva Porto, António Ramalho, Pousão, Columbano, João Marques de Oliveira…

Num país em que a arte está muito longe de ter o protagonismo da Europa que almejamos (a zona dos museus, Prado, Thyssen-Bornemisza e Rainha Sofia, aqui ao lado, em Madrid, é imponentemente esclarecedora), a iniciativa do museu caldense é digna de todos os elogios. Deve igualmente salientar-se a edição de um catálogo, que, se não ombreia com os dos citados museus madrilenos, é, em qualquer dos casos, obrigatório. As Caldas também não são Madrid.

Malhoa é um potente farol a iluminar-nos a sociedade do seu tempo.

Quando, hodiernamente, comparo o nosso País com a Europa, pelo qual já fiz a caminho de 150.000 quilómetros, sinto um mal-estar tão grande que se me torna mesmo muito penoso falar dele.

Mas, quando contemplo o retrato que Malhoa nos dá da sua época, o mal-estar avantaja-se-me ainda mais. Não se trata, sobretudo, da miséria material, mas de como os rostos emanam de um mundo cultural, psíquica e psicologicamente acanhado. Portugal tem que libertar-se desta ancestral maldição – de que, pelos vistos, muito poucos se dão conta.

O João Semana (1897), As Papas (1898), Os Bêbados (1907), Basta meu Pai! (1910), O Fado (1910), Citação à Penhora (1922), Vou ser Mãe (1923), são algumas das obras, ilustrativas ad nauseam.

Criar o Zé Povinho não é para um qualquer – e a Bordallo homenageamos o seu génio e todos devemos algo. Identificar a Política com a Grande Porca e a Retórica Parlamentar com um Papagaio é certeiro e absolutamente actual. Portugal parece que anda. Não só não anda como, muito verosimilmente, regride. Que baste pensar na pedofilia.

É a maldição de que temos que libertar-nos.

Mas há ainda outra de que temos que libertar-nos…

Um país que passa o tempo a lamentar-se vive… na lamentação. É mais que uma tautologia. Equivale a dizer que só a Cultura poder tornar-nos de espírito positivo, empreendedores, aptos a construir o futuro, imparciais, intensos, confiantes.

O riso fácil tem sempre uma dimensão de traição e a caricatura intitulada O Dia de Reis – O Sol dos Santos Reis chega de ilustração.

Faltou falar de muito mais, mas o espaço… O prezado leitor está, em todo o caso, concitado a ir às Caldas da Rainha.

Guarda

18-X-05

Por: J. A. Alves Ambrósio

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