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Mais de setenta e cinco mil razões para lhe escrever

Entrementes

Sua Excelência Senhor Ministro da Educação e Cultura

Excelência,

Conforme já deve ter reparado, não o trato por professor. Não consigo. E, além disso, não quero ofender aqueles que realmente o são. E o assumem. Hoje como ontem.

Trato-o, portanto por excelência que é assim a modos que um tratamento à distância. Sim, essa mesma distância que o senhor põe entre a sua excelência e a perigosidade endémica e salafrária daqueles que continuam a querer educar.

Por isso, excelência, deixe-me colocar algumas questões que, certamente por miopia governativa, lhe têm passado ao lado das contas que o ministro Gaspar lhe manda fazer. Deixe-me, aliás, acrescentar que fica muito mal à sua excelência, perito nas artes de somar e diminuir, permitir esta ultrapassagem pela direita do mais que tudo desta espécie de governação.

Escrevo no dia em que milhares daqueles perigosos criminosos se atreveram a contrariar a sua excelência e, unidos à uma, mandaram às urtigas demagogias bacocas e, de pés bem assentes na realidade que todos os dias pisam, acharam por bem dizer: BASTA!

Basta de ser tratados como material reciclável. Basta de ser olhado de soslaio por quem ou esqueceu, ou nunca viveu, a experiência de lidar com crianças e jovens em contexto de sala de aula. Basta de ouvir dizer à boca cheia, como quem se ufana de dizer a maior verdade do mundo, que os professores estão a prejudicar milhares de estudantes. Pensámos em prejudicar mecânicos, pastores, engenheiros e até, veja bem, professores universitários mas, como diz o outro, não era bem a mesma coisa…

Meta a sua excelência a mão na diminuta consciência e, lá num recanto, há de ainda encontrar resquícios que, em verdadeiro ato de contrição, lhe dirão:

Excelência, não se esqueça de quem mandou milhares para o desemprego;

Excelência, lembre-se de quem foi eleito afirmando que impostos nem mais um cêntimo;

Excelência, faça um exercício de memória e, sem contas de merceeiro (sem ofensa para os ditos), explique lá isso dos mega agrupamentos;

Excelência, mostre-nos a verdade sobre as razões, esconsas que sejam, que levam a que milhares e milhares de docentes estejam anos a fio longe de casa, ora em Monção, ora em Portimão… Não me leve a mal, excelência, esta foi só para rimar que, como a sua omnisciente pessoa bem sabe, em termos geográficos são vizinhos de porta com porta;

Excelência, explique-nos o porquê da agremiação a que pertence ter aconselhado os jovens a emigrar depois de a sua formação nos ter custado a todos (ou a si não?…) os olhos da cara;

Excelência, diga de uma vez por todas qual a escola de teatro que frequentou e que tão bem o dotou de competências que lhe permitem hoje exercer com níveis tão elevados o mister;

Excelência, não se esqueça de mostrar essa faceta um pouco por todo o lado. É que, às vezes, dá jeito viver num mundo só nosso e que os outros, pobres coitados, nem entrever conseguem… Como na canção, podemos dizer: são looouuuucooossss!…

Ah, e já agora, para terminar, não se importa de explicar aos seus tão queridos e imoralmente prejudicados alunos o que é isso de equidade?… É que eles não perceberam e foram ao dicionário ver e lá estava, clarinho como água: “Disposição para se reconhecer imparcialmente o direito de cada qual. Justiça natural que pode não ser conforme as disposições da lei.”

Vai longa a missiva e, apesar da minha incapacidade de ombrear com a sua excelência profundamente conhecedora, ainda seria capaz de lhe alinhavar umas não sei quantas razões mais para que, ainda que sendo excelência, começasse a duvidar da justeza e da justiça de algumas medidas por si tomadas e de outras tantas afirmações entretanto produzidas.

É que, sabe, lá dizia o outro que não se arvorava em excelência: “Só sei que nada sei.”…

PS: Em tempos houve uma senhora ministra que, pela primeira vez, uniu toda a classe contra medidas por si tomadas e consideradas penalizadoras da educação em Portugal. Hoje, essa senhora ministra deve estar a rebolar-se de riso e a considerar que o velho dito popular afinal se adapta que nem uma luva: atrás de mim virá que bom de mim fará…

Por: Norberto Gonçalves

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