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Mais 10000 e entramos no Guiness

Ladrar à Caravana

É patética a voracidade com que se apresentam os números logo a seguir ao maremoto que devastou o sudoeste asiático: para já, 4000 mortos… 20000 mortos…. O arrepiante número de 50000 mortos… o inacreditável número de 120000 mortos… há já quem aponte para 200000 mortos… aceitam-se apostas, senhoras e senhores, faites vos jeux… mas o que é isto? O relato de uma catástrofe, ou uma competição para ver quem entra no Guiness?

Achei de grande dignidade ver um jornalista da RTP a referir a visão impressionante dos cadáveres amontoados num parque de estacionamento. Tão impressionante que não seriam transmitidas imagens, pois seria uma exposição gratuita a cenas profundamente chocantes. Fiquei satisfeito, e pensei olha, estão a deixar o formato tablóide, talvez cheguem a ser uma televisão de serviço público a sério. No dia seguinte, tinhamos um fartote de cadáveres, carne podre e ruínas a entrar pela janelinha para dentro de casa…

Imagino que o jornalista tivesse levado uns puxões de orelhas, ou transmites esse material ou a concorrência passa-nos à frente, julgas que isto é a BBC ou quê, hã? Queres manter este emprego? Faz o que te mandam e deixa-te de mariquices éticas, pá!

Portanto, a normalidade televisiva e informativa foi reposta.

Estou agora na expectativa da apresentação de entrevistas com os sobreviventes a descreverem de modo bastante gráfico como viram a mulher marido filho filha amigos namorados a serem arrastados pela água, o pilar de cimento que caiu e esmigalhou o crânio, a perna cortada por uma chapa de zinco, o olho vazado por uma antena de televisão, enfim, informações essenciais para que os cidadãos tenham uma perspectiva correcta, isenta e equilibrada dos acontecimentos. Já agora com umas simulações em computador, para dar ainda mais realismo. É que a Quinta das Celebridades já não dá pica e a maralha precisa de entretenimento.

Ao menos, valha-nos isso, temos ainda alguns lunáticos com espírito e iniciativa, que largam imediatamente o sofá e arrancam para o local, a fazer alguma coisa que minimize o sofrimento daquela gente. Em vez de se esconderem atrás do atendedor de chamadas do consulado ou das férias do senhor embaixador, é pegar na mochila e arrancar para onde é preciso estar. Esta gente não tem dinheiro nem para umas caixas de antibióticos e vai-se safando com donativos de particulares e empresas. Não têm dinheiro para submarinos nem fragatas nem helicópetros topo de gama, mas têm uma coisa: são gente com coluna vertebral, humanos, solidários. Uma espécie em vias de extinção, para grande tranquilidade dos compradores e vendedores de submarinos e helicópetros. Que a prioridade é defender a pátria do terrorismo e não para pôr pensos rápidos nuns monhés quaisquer que apanharam com uma onda em cima.

Por: Jorge Bacelar

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