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“Magusto da Velha” cumpriu-se em Aldeia Viçosa

Este ano “caíram” do céu 150 quilos de castanhas e foram distribuídos outros tantos litros de vinho

Há quem diga que a tradição é para ser cumprida e mais uma vez, na passada terça-feira, choveram castanhas da torre sineira da igreja matriz de Aldeia Viçosa. Nem a tarde gélida afastou as centenas de pessoas, na sua maioria moradores e naturais desta localidade, que anualmente, no dia 26 de Dezembro, acorrem ao “Magusto da Velha” para ver cumprir um ritual antiquíssimo.

Esta tradição tem cerca de 308 anos e «é para continuar», afirma Baltazar Lopes, presidente da Junta. Actualmente, a freguesia do concelho da Guarda tem direito a uma renda perpétua de 14 cêntimos por trimestre, deixada por uma benemérita abastada do vale do Mondego. O montante é pago pelo Instituo do Crédito Público, que já quis comprar esta herança por cerca de três mil euros. Contudo, ninguém quis vender a renda, já que «o que está em causa é a tradição que queremos preservar», garante o autarca. Por isso, este ano “caíram” do céu cerca de 150 quilos de castanhas e foram bebidos outros tantos litros de vinho. «Há pessoas que não vêm no Natal, mas que marcam presença no dia do “Magusto da Velha” porque é uma tradição que diz muito à freguesia», refere Baltazar Lopes. É o caso de Daniela Foitinho, natural da aldeia mas residente em Faro, que não perde um magusto. «Quando era pequena, subiam ao cimo da torre, além do bico da cruz, e colocavam lá uma castanha e eu ficava encantada», recorda. Também Helena Ramos, que reside na Guarda, gosta de voltar todos os anos neste dia à sua terra natal para recordar os tempos de infância, pelo que considera que a tradição «é para manter».

O ritual consiste em atirar mãos-cheias de castanhas do alto do campanário para o adro da igreja, onde os habitantes se acotovelam para ver quem apanha mais e depois assá-las na típica fogueira de Natal que ainda arde ali ao lado. Pronta está também uma barrica de vinho para ajudar as bocas mais secas. E há muitas, sobretudo por causa das “cavaladas”, que mais não é do que saltar para as costas de quem se põe a jeito ao baixar-se para apanhar castanhas. É uma brincadeira pouco católica praticada pelos homens e que faz rir as mulheres. Contudo, os praticantes já escasseiam e poucos foram aqueles que, este ano, foram apanhados desprevenidos. Outro momento alto acontece quando o maior sino da torre dá uma volta completa. Uma tradição que tem que ser repetida 26 vezes, devido ao dia em que é realizado o “Magusto da Velha”. Porém, esta não é a data original, já que a “esmola” que a “velha” ordenou que fosse dada devia concretizar-se na «primeira oitava de Natal» (dia 1 de Janeiro). No entanto, assim é no dia seguinte ao Natal desde que uma misteriosa benemérita doou aquelas iguarias aos habitantes de Vila do Porco, como então se chamava a localidade. Em contrapartida, exigiu apenas que se rezasse todos os anos um “Pai Nosso” em sua memória. Esta parte do testamento pode já não ser cumprida com rigor, mas o resto pratica-se com afinco desde, pelo menos, o ano de 1698. Trata-se da data da primeira alusão ao “Magusto da Velha” e consta do “Livro de Usos e Costumes da Igreja do Lugar de Porco”, escrito pelo padre António Soares Albergaria Meireles.

Tânia Santos

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